terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Um Alerta para o Policial Penal

 


Perseguição Ocupacional e a Necessidade de Resguardo Jurídico: Um Alerta para o Policial Penal

A carreira de policial penal, embora vital para a segurança pública, é frequentemente marcada por um ambiente laboral complexo e, por vezes, tóxico. Além dos riscos inerentes ao contato diário com a população carcerária e a tensão do cárcere, esses profissionais lidam com um desafio interno e muitas vezes mais desgastante: a perseguição vertical e horizontal. Este texto, direcionado ao "Manual Jurídico do Policial Penal", tem como objetivo detalhar as formas como essa perseguição se manifesta — seja por parte de superiores hierárquicos (Diretores de Núcleo, de Centro, Gerais) ou até mesmo por colegas de farda — e a importância crucial de o servidor conhecer e utilizar seus direitos e ferramentas jurídicas para sua proteção e resguardo.

O Ambiente Hostil: Da Gestão Autoritária ao Assédio Moral

A estrutura hierárquica das unidades prisionais, somada à natureza militarizada da função de segurança, pode criar um terreno fértil para práticas de gestão abusivas e assédio moral. A perseguição não é um evento isolado; é um processo contínuo que visa isolar, descredibilizar e, em última instância, forçar o afastamento ou a demissão do servidor perseguido.

A Perseguição Vertical: O Abuso de Autoridade e o Desvio de Finalidade

A perseguição por parte da chefia é a forma mais comum e tem como base o uso indevido do poder hierárquico. Diretores de diversas instâncias podem utilizar de sua posição para impor condições de trabalho vexatórias ou punições injustas.

 (A Transferência Arbitrária):

Um policial penal, atuante em uma unidade há anos, denuncia irregularidades na gestão de materiais ou na concessão de benefícios a detentos. Em vez de investigar a denúncia, o Diretor Geral da unidade utiliza seu poder discricionário de movimentação de pessoal e transfere o servidor para uma unidade prisional distante de sua residência e de difícil acesso, sem uma justificativa plausível de "interesse público" ou "necessidade do serviço". O objetivo é punir o servidor pela denúncia (retaliação) e forçar um pedido de demissão ou afastamento por impossibilidade de locomoção.

Ferramenta Jurídica para Resguardo: A transferência arbitrária, sem motivação transparente e que configure nítido desvio de finalidade (punição disfarçada de ato administrativo), pode ser objeto de mandado de segurança. O servidor deve documentar a denúncia original, a ausência de processo administrativo disciplinar (PAD) que justificasse a transferência punitiva e a ausência de interesse público real na mudança, demonstrando o prejuízo pessoal e familiar.

O Assédio Moral Organizacional e a Desmoralização

O assédio moral é uma ferramenta comum de perseguição. Ele se manifesta através de condutas repetitivas que expõem o servidor a situações humilhantes e constrangedoras.

 (As Tarefas Degradantes e o Isolamento):

Um chefe de núcleo, insatisfeito com um subordinado que questiona suas ordens ilegais, começa a persegui-lo. Ele retira o servidor de sua função habitual (ex: setor de inteligência ou plantão de escolta) e o coloca em tarefas degradantes ou que não condizem com o cargo, como a limpeza de pátios ou a organização de arquivos antigos, sem a devida desvio de função formal. Além disso, começa a isolá-lo, excluindo-o de reuniões importantes e impedindo que colegas conversem com ele durante o expediente.

Ferramenta Jurídica para Resguardo: O servidor deve registrar em detalhes (data, hora, local, testemunhas, conteúdo das ordens) todas as situações de assédio. A busca por auxílio no setor de corregedoria (com cuidado, pois a corregedoria pode ser aparelhada pela gestão), no Ministério Público do Trabalho (se aplicável ao regime jurídico, embora o MPT tenha limites com servidores públicos estatutários), ou através do sindicato da categoria é vital. A representação por assédio moral pode levar a um PAD contra o superior hierárquico e, em casos extremos, a uma ação de indenização por danos morais na esfera cível.

A Perseguição Horizontal: Inveja, Desavenças e a Cultura da Desunião

A perseguição não é exclusiva dos chefes. Muitas vezes, ela parte de colegas de mesmo nível hierárquico, alimentada por disputas por poder, inveja, ou simplesmente desavenças pessoais que se transformam em sabotagem profissional.

 (A Sabotagem e o "Fofoqueiro"):

Um policial penal se destaca por sua eficiência e é elogiado pela direção em uma ocasião. Um colega, com ciúmes, começa a espalhar rumores de que o servidor recebe propina de detentos ou que está envolvido em irregularidades. O "colega" sabota a comunicação do outro servidor, escondendo ordens de serviço ou informações cruciais para o plantão, na esperança de que o servidor perseguido cometa uma falha grave e seja punido.

Ferramenta Jurídica para Resguardo: A comunicação oficial é a melhor amiga do servidor perseguido. Toda ordem, informação ou comunicação relevante deve ser documentada (via e-mail institucional, livro de ocorrência da unidade ou memorando). Criar um rastro documental impede a sabotagem. Se os rumores configurarem calúnia ou difamação, o servidor pode acionar a esfera criminal contra o colega, além de representar na esfera administrativa.

A Divisão Histórica e a Necessidade de Unidade Jurídica: ASP e AEVP

Um fator que contribui para a fragilidade da categoria e facilita a perseguição é a divisão histórica entre os cargos de Agente de Segurança Penitenciária (ASP) e Agente de Escolta e Vigilância Penitenciária (AEVP) em alguns estados, como São Paulo. Embora a Emenda Constitucional nº 104/2019 tenha unificado a função sob o título de "Policial Penal", as diferenças de atribuições, formação e, por vezes, tratamento, persistem na cultura organizacional.

A Cultura do "Nós contra Eles"

 (A Disputa por Atribuições):

Em uma unidade onde a divisão ASP/AEVP ainda é muito presente, um AEVP, em função de vigilância externa, é chamado para auxiliar em uma contenção interna, uma área vista como de "competência" dos ASPs. Um ASP, que se considera "mais raiz", recusa-se a cooperar plenamente ou, pior, tenta impor ordens ao AEVP de forma ríspida e hierárquica, gerando conflito no meio de uma situação de crise. Essa falta de união e a disputa interna de egos fragilizam a categoria como um todo.

Ferramenta Jurídica para Resguardo: O Estatuto da Polícia Penal e a Lei Orgânica da Polícia Penal (quando regulamentadas em cada estado) são os documentos que definem as atribuições unificadas do cargo. O policial penal deve conhecer a legislação que rege sua função e entender que as atribuições são complementares e fazem parte de uma única carreira de segurança pública. O uso do diálogo e, se necessário, a mediação sindical ou da corregedoria, são necessários para resolver esses conflitos com base na lei e não na cultura antiga.

Conhecer os Direitos para se Resguardar: O Manual Jurídico em Ação

A melhor defesa contra a perseguição é o conhecimento. O policial penal, ao ler este manual, deve internalizar que ele possui direitos e garantias que não podem ser violados pelo arbítrio da chefia ou de colegas.

Procedimentos Essenciais de Autoproteção Jurídica:

 

    Documentação Rigorosa: A regra de ouro. Documente tudo. Ordens verbais devem ser confirmadas por escrito, se possível. Mantenha um diário de ocorrências pessoais com datas, horários e detalhes dos abusos sofridos.

    Busca por Testemunhas: Identifique colegas de confiança que possam testemunhar a seu favor. O medo de retaliação é real, mas o apoio mútuo é essencial.

    Apoio Sindical e Jurídico Especializado: O sindicato da categoria possui advogados que entendem a especificidade do sistema prisional e os meandros das relações de poder internas.

    Uso dos Canais de Denúncia Oficiais: Corregedoria, Ouvidoria do Estado e Ministério Público. Usar os canais oficiais garante a formalidade necessária para que a denúncia tenha prosseguimento legal.

    Conhecimento do Estatuto e da LEP: A Lei de Execução Penal (LEP) e o Estatuto do Servidor são suas Bíblias. Conhecer seus deveres, mas principalmente seus direitos e garantias (como o direito à ampla defesa e ao contraditório em um PAD), impede que a gestão abuse do poder disciplinar.

A perseguição no ambiente de trabalho do policial penal é uma realidade dura e silenciosa que corrói a saúde mental do servidor e compromete a eficiência do sistema prisional. A gestão autoritária, o assédio moral e as divisões internas são desafios que exigem mais do que resiliência individual; exigem ação estratégica e conhecimento jurídico. Este manual serve como um lembrete de que o policial penal não está desamparado. Munido de informação, documentação e apoio legal, é possível enfrentar o arbítrio e garantir o respeito aos direitos e à dignidade do profissional que dedica sua vida à segurança pública, muitas vezes em condições adversas e hostis. O resguardo jurídico é a arma mais potente do policial penal contra a injustiça interna

Edson Moura

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