Perseguição Ocupacional e a Necessidade de Resguardo Jurídico: Um
Alerta para o Policial Penal
A carreira de policial penal,
embora vital para a segurança pública, é frequentemente marcada por um ambiente
laboral complexo e, por vezes, tóxico. Além dos riscos inerentes ao contato
diário com a população carcerária e a tensão do cárcere, esses profissionais
lidam com um desafio interno e muitas vezes mais desgastante: a perseguição
vertical e horizontal. Este texto, direcionado ao "Manual Jurídico do
Policial Penal", tem como objetivo detalhar as formas como essa
perseguição se manifesta — seja por parte de superiores hierárquicos (Diretores
de Núcleo, de Centro, Gerais) ou até mesmo por colegas de farda — e a
importância crucial de o servidor conhecer e utilizar seus direitos e
ferramentas jurídicas para sua proteção e resguardo.
O Ambiente Hostil: Da Gestão Autoritária ao Assédio Moral
A estrutura hierárquica das
unidades prisionais, somada à natureza militarizada da função de segurança,
pode criar um terreno fértil para práticas de gestão abusivas e assédio moral.
A perseguição não é um evento isolado; é um processo contínuo que visa isolar,
descredibilizar e, em última instância, forçar o afastamento ou a demissão do
servidor perseguido.
A Perseguição Vertical: O Abuso de Autoridade e o Desvio de Finalidade
A perseguição por parte da chefia
é a forma mais comum e tem como base o uso indevido do poder hierárquico.
Diretores de diversas instâncias podem utilizar de sua posição para impor
condições de trabalho vexatórias ou punições injustas.
(A Transferência Arbitrária):
Um policial penal, atuante em uma
unidade há anos, denuncia irregularidades na gestão de materiais ou na
concessão de benefícios a detentos. Em vez de investigar a denúncia, o Diretor
Geral da unidade utiliza seu poder discricionário de movimentação de pessoal e
transfere o servidor para uma unidade prisional distante de sua residência e de
difícil acesso, sem uma justificativa plausível de "interesse
público" ou "necessidade do serviço". O objetivo é punir o
servidor pela denúncia (retaliação) e forçar um pedido de demissão ou
afastamento por impossibilidade de locomoção.
Ferramenta Jurídica para
Resguardo: A transferência arbitrária, sem motivação transparente e que
configure nítido desvio de finalidade (punição disfarçada de ato
administrativo), pode ser objeto de mandado de segurança. O servidor deve
documentar a denúncia original, a ausência de processo administrativo
disciplinar (PAD) que justificasse a transferência punitiva e a ausência de
interesse público real na mudança, demonstrando o prejuízo pessoal e familiar.
O Assédio Moral Organizacional e a Desmoralização
O assédio moral é uma ferramenta
comum de perseguição. Ele se manifesta através de condutas repetitivas que
expõem o servidor a situações humilhantes e constrangedoras.
(As
Tarefas Degradantes e o Isolamento):
Um chefe de núcleo, insatisfeito
com um subordinado que questiona suas ordens ilegais, começa a persegui-lo. Ele
retira o servidor de sua função habitual (ex: setor de inteligência ou plantão
de escolta) e o coloca em tarefas degradantes ou que não condizem com o cargo,
como a limpeza de pátios ou a organização de arquivos antigos, sem a devida
desvio de função formal. Além disso, começa a isolá-lo, excluindo-o de reuniões
importantes e impedindo que colegas conversem com ele durante o expediente.
Ferramenta Jurídica para
Resguardo: O servidor deve registrar em detalhes (data, hora, local,
testemunhas, conteúdo das ordens) todas as situações de assédio. A busca por
auxílio no setor de corregedoria (com cuidado, pois a corregedoria pode ser
aparelhada pela gestão), no Ministério Público do Trabalho (se aplicável ao
regime jurídico, embora o MPT tenha limites com servidores públicos
estatutários), ou através do sindicato da categoria é vital. A representação
por assédio moral pode levar a um PAD contra o superior hierárquico e, em casos
extremos, a uma ação de indenização por danos morais na esfera cível.
A Perseguição Horizontal: Inveja, Desavenças e a Cultura da Desunião
A perseguição não é exclusiva dos
chefes. Muitas vezes, ela parte de colegas de mesmo nível hierárquico,
alimentada por disputas por poder, inveja, ou simplesmente desavenças pessoais
que se transformam em sabotagem profissional.
(A Sabotagem e o
"Fofoqueiro"):
Um policial penal se destaca por
sua eficiência e é elogiado pela direção em uma ocasião. Um colega, com ciúmes,
começa a espalhar rumores de que o servidor recebe propina de detentos ou que
está envolvido em irregularidades. O "colega" sabota a comunicação do
outro servidor, escondendo ordens de serviço ou informações cruciais para o
plantão, na esperança de que o servidor perseguido cometa uma falha grave e
seja punido.
Ferramenta Jurídica para
Resguardo: A comunicação oficial é a melhor amiga do servidor perseguido. Toda
ordem, informação ou comunicação relevante deve ser documentada (via e-mail
institucional, livro de ocorrência da unidade ou memorando). Criar um rastro
documental impede a sabotagem. Se os rumores configurarem calúnia ou difamação,
o servidor pode acionar a esfera criminal contra o colega, além de representar
na esfera administrativa.
A Divisão Histórica e a Necessidade de Unidade Jurídica: ASP e AEVP
Um fator que contribui para a
fragilidade da categoria e facilita a perseguição é a divisão histórica entre
os cargos de Agente de Segurança Penitenciária (ASP) e Agente de Escolta e
Vigilância Penitenciária (AEVP) em alguns estados, como São Paulo. Embora a
Emenda Constitucional nº 104/2019 tenha unificado a função sob o título de
"Policial Penal", as diferenças de atribuições, formação e, por
vezes, tratamento, persistem na cultura organizacional.
A Cultura do "Nós contra Eles"
(A
Disputa por Atribuições):
Em uma unidade onde a divisão
ASP/AEVP ainda é muito presente, um AEVP, em função de vigilância externa, é
chamado para auxiliar em uma contenção interna, uma área vista como de
"competência" dos ASPs. Um ASP, que se considera "mais raiz",
recusa-se a cooperar plenamente ou, pior, tenta impor ordens ao AEVP de forma
ríspida e hierárquica, gerando conflito no meio de uma situação de crise. Essa
falta de união e a disputa interna de egos fragilizam a categoria como um todo.
Ferramenta Jurídica para
Resguardo: O Estatuto da Polícia Penal e a Lei Orgânica da Polícia Penal
(quando regulamentadas em cada estado) são os documentos que definem as
atribuições unificadas do cargo. O policial penal deve conhecer a legislação
que rege sua função e entender que as atribuições são complementares e fazem
parte de uma única carreira de segurança pública. O uso do diálogo e, se
necessário, a mediação sindical ou da corregedoria, são necessários para
resolver esses conflitos com base na lei e não na cultura antiga.
Conhecer os Direitos para se Resguardar: O Manual Jurídico em Ação
A melhor defesa contra a
perseguição é o conhecimento. O policial penal, ao ler este manual, deve
internalizar que ele possui direitos e garantias que não podem ser violados
pelo arbítrio da chefia ou de colegas.
Procedimentos Essenciais de Autoproteção Jurídica:
Documentação Rigorosa: A regra de ouro.
Documente tudo. Ordens verbais devem ser confirmadas por escrito, se possível.
Mantenha um diário de ocorrências pessoais com datas, horários e detalhes dos
abusos sofridos.
Busca por Testemunhas: Identifique colegas
de confiança que possam testemunhar a seu favor. O medo de retaliação é real,
mas o apoio mútuo é essencial.
Apoio Sindical e Jurídico Especializado: O
sindicato da categoria possui advogados que entendem a especificidade do
sistema prisional e os meandros das relações de poder internas.
Uso dos Canais de Denúncia Oficiais:
Corregedoria, Ouvidoria do Estado e Ministério Público. Usar os canais oficiais
garante a formalidade necessária para que a denúncia tenha prosseguimento
legal.
Conhecimento do Estatuto e da LEP: A Lei de
Execução Penal (LEP) e o Estatuto do Servidor são suas Bíblias. Conhecer seus
deveres, mas principalmente seus direitos e garantias (como o direito à ampla
defesa e ao contraditório em um PAD), impede que a gestão abuse do poder
disciplinar.
A perseguição no ambiente de
trabalho do policial penal é uma realidade dura e silenciosa que corrói a saúde
mental do servidor e compromete a eficiência do sistema prisional. A gestão
autoritária, o assédio moral e as divisões internas são desafios que exigem
mais do que resiliência individual; exigem ação estratégica e conhecimento
jurídico. Este manual serve como um lembrete de que o policial penal não está
desamparado. Munido de informação, documentação e apoio legal, é possível
enfrentar o arbítrio e garantir o respeito aos direitos e à dignidade do
profissional que dedica sua vida à segurança pública, muitas vezes em condições
adversas e hostis. O resguardo jurídico é a arma mais potente do policial penal
contra a injustiça interna
Edson Moura

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