Seguidores

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

"O Tabagismo no cárcere! A contradição que adoece e custa caro"

 


O TABAGISMO NO SISTEMA PRISIONAL E A CONTRADIÇÃO JURÍDICO-ADMINISTRATIVA

O Volume 2 deste manual dedica-se a uma das questões mais ambíguas e complexas da rotina carcerária: a convivência entre a proibição de substâncias e a permissividade do tabaco em ambientes de custódia. No "campo de batalha silencioso" do cárcere, o cigarro é frequentemente utilizado como uma moeda de troca e um "estabilizador" de ânimos, mas a que custo jurídico e de saúde para o Estado e para os seus servidores?

A Contradição das Substâncias: Álcool x Tabaco

Uma das primeiras perguntas que surgem na gestão das unidades é a disparidade de tratamento entre o álcool e o cigarro. Por que o álcool é terminantemente proibido e o cigarro é amplamente tolerado?

A Proibição do Álcool: A justificativa para a proibição do álcool é estritamente segurança e disciplina. O álcool é uma substância desinibidora que altera o comportamento, podendo potencializar a agressividade, diminuir o tempo de reação e julgamento, e servir como estopim para motins, agressões contra servidores e conflitos entre custodiados. Juridicamente, a posse de álcool ou substâncias que alterem a consciência é considerada falta grave, pois compromete a ordem e a disciplina interna.

A Permissividade do Cigarro: O cigarro, por outro lado, é visto historicamente pela administração como um "redutor de ansiedade". A justificativa para sua manutenção no cárcere não é de saúde, mas de estratégia de contenção. Teme-se que a proibição abrupta do tabaco em um ambiente já tensionado possa gerar crises de abstinência coletiva e desestabilização das unidades prisionais. No entanto, essa "paz social" comprada com nicotina gera uma contradição jurídica direta com as normas de saúde pública.

A Unidade Prisional como Repartição Pública e a Legalidade do Fumar na Cela

Um ponto nevrálgico desta discussão é a natureza jurídica do estabelecimento penal. A unidade prisional é, inquestionavelmente, uma repartição pública. Como tal, ela está sujeita à Lei Federal nº 12.546/2011 (Lei Antifumo), que proíbe o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno em recinto coletivo fechado, público ou privado.

Pode-se fumar na cela? Sob a ótica da legalidade estrita, não. A cela, embora seja a "residência" temporária do preso para fins de intimidade, é um espaço de custódia estatal, integrando um prédio público. Quando o Estado permite que se fume dentro das celas, ele está ignorando a legislação federal e expondo tanto os fumantes quanto os não fumantes a um ambiente insalubre.

Impactos na Saúde e a Oneração do Sistema

A permissividade do tabagismo no cárcere não é inofensiva; ela é uma fonte de oneração direta do sistema de saúde e da administração pública.

O ambiente carcerário já é propício à proliferação de doenças respiratórias devido à ventilação precária e ao confinamento. O uso do tabaco agrava quadros de bronquite crônica, enfisema e câncer de pulmão.

É comum encontrarmos detentos com doenças graves como tuberculose, pneumonia ou asma convivendo em celas superlotadas com dezenas de outros detentos que fumam ininterruptamente. Juridicamente, isso configura uma omissão estatal no dever de cuidado. O Estado, ao manter um não fumante ou um doente respiratório em um ambiente saturado de fumaça, viola o preceito constitucional da dignidade da pessoa humana e o direito à saúde.

A conta dessa permissividade chega através das escoltas médicas frequentes, do custo elevado de medicamentos e das internações hospitalares que poderiam ser evitadas. Além disso, abre-se a porta para ações de indenização contra o Estado por danos à integridade física do custodiado que entrou saudável e saiu com doenças pulmonares crônicas.

Programas Antitabagismo e Suporte ao Combate ao Vício

Para resolver essa contradição, o este Manual Jurídico propõe que a administração avance para além da simples proibição, focando na transição e no suporte. Não se trata apenas de proibir, mas de tratar o vício como uma questão de saúde pública dentro da execução penal.

A implementação de programas antitabagismo deve incluir o fornecimento de adesivos de nicotina, medicamentos específicos e palestras motivacionais conduzidas por equipes de saúde. O objetivo é oferecer ao custodiado uma saída para a dependência química que o cigarro impõe.

Enquanto o tabagismo não for erradicado, é imperativo que a gestão das unidades crie celas e pavilhões isolados para fumantes e não fumantes. Essa medida visa proteger o direito dos não fumantes a um ambiente livre de fumaça, minimizando os danos causados pelo fumo passivo.


O Reflexo no Policial Penal: Saúde Ocupacional

Este debate não se limita aos custodiados. Tudo o que foi discutido serve também para o Policial Penal.

O servidor que trabalha em alas onde o fumo é permitido torna-se um fumante passivo compulsório. Durante plantões de 12 ou 24 horas, o policial inala a fumaça proveniente das galerias e celas, o que representa um risco ocupacional grave. A exposição contínua pode levar o servidor a desenvolver as mesmas doenças pulmonares dos detentos, resultando em afastamentos médicos, redução da capacidade laborativa e queda na qualidade de vida.

O Foco na Saúde do Policial Penal representa uma mudança de paradigma essencial na gestão do sistema prisional moderno. Historicamente, as políticas de saúde em ambientes de custódia concentraram-se quase exclusivamente na população carcerária, negligenciando o fato de que o servidor público — o Policial Penal — divide o mesmo ecossistema insalubre, enfrentando riscos ocupacionais que extrapolam a segurança física e atingem diretamente sua integridade biológica e psicológica.

Um dos pontos mais críticos dessa exposição é o tabagismo. No ambiente fechado das galerias e pavilhões, o Policial Penal frequentemente torna-se um "fumante passivo compulsório". Durante plantões exaustivos, o servidor inala continuamente a fumaça proveniente das celas, o que configura um risco invisível, mas devastador. A exposição prolongada a substâncias tóxicas do tabaco está diretamente ligada ao desenvolvimento de patologias respiratórias graves, como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), enfisemas e diversos tipos de câncer. Portanto, lutar por unidades prisionais livres de tabaco não é apenas uma questão de disciplina para o custodiado, mas uma medida de segurança do trabalho para o policial.

Para reverter esse quadro, é imperativo que o Estado inclua o Policial Penal de forma prioritária em programas de saúde ocupacional. Esses programas não podem ser meramente protocolares; devem oferecer suporte real e tangível. Isso inclui o acesso facilitado a consultas com pneumologistas e cardiologistas, exames periódicos de função pulmonar e, sobretudo, o mesmo suporte farmacológico oferecido aos que buscam cessar o vício. Se há distribuição de adesivos de nicotina, gomas de mascar terapêuticas ou medicamentos específicos para os custodiados, esses mesmos recursos devem estar disponíveis, sem burocracia, para o servidor que deseja abandonar o tabagismo ou mitigar os danos da exposição passiva.

Além do suporte medicamentoso, a dimensão educativa e psicológica é vital. Palestras motivacionais, grupos de apoio e acompanhamento psicológico focado no manejo do estresse são fundamentais. O Policial Penal lida diariamente com uma carga de tensão elevadíssima; muitas vezes, o cigarro surge como uma válvula de escape ilusória para a ansiedade do cárcere. Combater essa percepção exige uma abordagem humanizada que trate o policial como um indivíduo cuja saúde é o ativo mais precioso da instituição.

O reflexo direto de um foco rigoroso na saúde do servidor é a redução drástica dos afastamentos médicos e das licenças para tratamento de saúde. Um corpo policial saudável é mais eficiente, possui maior tempo de reação, melhor capacidade de julgamento e uma qualidade de vida superior fora do horário de serviço. O Estado, ao investir na prevenção e no suporte à saúde do Policial Penal, economiza recursos públicos que seriam gastos com substituições de pessoal e tratamentos de alta complexidade.

Em suma, a saúde do Policial Penal deve deixar de ser um tópico secundário para se tornar o pilar central da administração penitenciária. Garantir que o servidor não adoeça no exercício de sua função é um dever jurídico e moral do Estado. Afinal, o maior escudo de um policial é o seu conhecimento jurídico, mas sua maior ferramenta de trabalho é a sua própria vida e saúde preservadas.

Portanto, a luta por um ambiente livre de tabaco nas unidades prisionais é também uma luta pela segurança e saúde do servidor. O Policial Penal deve estar ciente de que a "flexibilidade" em permitir o fumo em locais proibidos afeta diretamente seus próprios pulmões.

Edson Moura

Nenhum comentário:

Postar um comentário