A Lei de Execução Penal (LEP)
e a Atuação do Policial Penal: Princípios, Objetivos e Aplicação Prática
A Lei de Execução Penal (LEP),
Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, é o diploma normativo que materializa os
princípios e garantias constitucionais no âmbito do cumprimento das sanções
penais. Ela é a "lei mestra" que rege a vida dentro do sistema
prisional e o principal instrumento jurídico de trabalho do policial penal.
Com a Emenda Constitucional nº
104/2019, que inseriu a Polícia Penal no rol dos órgãos de segurança pública
(Art. 144, CF), a relevância da LEP para a categoria se intensificou. O
policial penal é o agente estatal que opera diretamente a engrenagem da
execução penal, garantindo a segurança, mas, fundamentalmente, executando as
diretrizes legais que visam a reintegração social do indivíduo.
Este capítulo do manual explora
os princípios fundamentais, os objetivos e a aplicação prática da LEP na rotina
do policial penal.
1. Princípios Fundamentais da
Lei de Execução Penal
A LEP é informada por uma série
de princípios que orientam toda a sua aplicação, sendo o mais importante
o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1º, III,
CF/88), que permeia toda a execução da pena.
1.1. Princípio da Legalidade (Nulla Poena Sine Lege)
A execução penal deve ser
conduzida em estrita observância à lei. O Artigo 3º da LEP é claro:
"Ao condenado e ao internado
serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela
lei."
Isso significa que o policial
penal não pode impor restrições, sanções ou deveres que não estejam
expressamente previstos na LEP ou na legislação correlata. A discricionariedade
cede lugar à vinculação legal, garantindo a segurança jurídica tanto para o
custodiado quanto para o servidor. A legalidade é a baliza que impede abusos e
arbitrariedades.
1.2. Princípio da
Individualização da Pena
A Constituição Federal (Art. 5º,
XLVI) e a LEP determinam que a pena deve ser individualizada. A execução não é
um processo em massa; cada interno possui um histórico, necessidades e um plano
de cumprimento de pena específicos (o PIT - Plano Individualizado de Trabalho).
O policial penal, na sua atuação
diária, contribui para a individualização ao observar o comportamento do
apenado, suas necessidades de saúde, educação, trabalho e sua disciplina. Essas
observações são vitais para a progressão de regime, a concessão de benefícios
ou a aplicação de sanções disciplinares, que devem ser proporcionais à falta
cometida.
1.3. Princípio da Humanidade
da Pena
A LEP veda expressamente as penas
cruéis (Art. 5º, XLVII, "e", CF). O Artigo 38 da LEP proíbe o emprego
de "algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares
preparatórios para o parto e durante o trabalho de parto, bem como em
recém-nascidos". Mais amplamente, o princípio da humanidade exige que o
tratamento dispensado ao preso seja digno, garantindo-lhe condições mínimas de
higiene, saúde, alimentação e integridade física e moral.
Para o policial penal, isso se
traduz no dever de zelar pela integridade física dos presos, prevenir motins,
coibir agressões entre internos e entre internos e servidores, e garantir o
acesso aos serviços básicos, sempre com urbanidade e respeito.
2. Objetivos da Lei de
Execução Penal
O Artigo 1º da LEP define seus
objetivos de forma holística, combinando a punição com a prevenção e a
ressocialização:
"A execução penal tem por
objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar
condições para a harmônica integração social do condenado e do internado."
2.1. Efetivação da Sentença
O primeiro objetivo é garantir
que a pena imposta pelo Poder Judiciário seja efetivamente cumprida. Isso
implica na custódia segura, na manutenção da ordem e na disciplina dentro do
estabelecimento penal. A segurança é o pilar que sustenta todas as demais
ações. Sem segurança, não há ressocialização possível.
2.2. Harmônica Integração
Social (Ressocialização)
O grande desafio da LEP é a
reintegração social. A lei não visa apenas punir, mas preparar o indivíduo para
o retorno ao convívio social. A ressocialização se dá através de diversos
mecanismos previstos na lei:
- Trabalho: Dever e direito do preso, é
fundamental para a disciplina e a remição da pena (abatimento de dias da
pena por dias trabalhados - Art. 126, LEP).
- Educação: Oferecimento de ensino fundamental,
médio e profissionalizante (Art. 17, LEP).
- Assistência: Material, jurídica, à
saúde, social, religiosa e educacional (Art. 11, LEP).
O policial penal, ao garantir o
acesso a essas assistências e ao ambiente de trabalho/educação, atua
diretamente no objetivo ressocializador da lei.
3. A Aplicação Prática da LEP
pelo Policial Penal
A LEP não é um manual de teoria
jurídica para juízes e promotores; é, sobretudo, um manual de procedimentos
para quem está na linha de frente da custódia.
3.1. Gestão da Disciplina e
Comportamento Carcerário
A LEP classifica as faltas
disciplinares (leves, médias e graves) nos Artigos 44 a 52. O policial penal é
o principal agente na identificação e registro de tais faltas (como a posse de
objetos proibidos, a desobediência, a evasão ou a agressão).
A aplicação prática exige do
policial penal o conhecimento profundo do Procedimento Administrativo
Disciplinar (PAD), garantindo ao preso o direito à defesa e ao contraditório
antes de qualquer sanção. A imparcialidade e a legalidade na apuração das
faltas são cruciais para a validade do processo e para a manutenção da ordem.
3.2. A Dinâmica da Segurança
(Intramuros)
A segurança dos estabelecimentos
penais, atribuição constitucional da Polícia Penal, é regida pela LEP. Isso envolve:
- Revistas: Procedimentos de revista
pessoal (humanizados e respeitosos, vedando-se práticas vexatórias), de
celas e de visitantes, conforme normas e protocolos internos e a Súmula
Vinculante nº 11 do STF (uso de algemas).
- Custódia e Escolta: Garantir a
integridade do preso em movimentações internas, e externas para
assistências médicas, audiências judiciais e remoções, utilizando técnicas
de contenção e uso progressivo da força quando estritamente necessário.
3.3. Relatórios e Informação
Processual
O policial penal é um produtor de
informação essencial para o sistema de justiça. Relatórios de ocorrência,
anotações de comportamento, registros de trabalho e estudo alimentam o processo
de execução penal. É a partir dessas informações que o Juiz da Execução Penal
decide sobre benefícios (progressão de regime, livramento condicional) ou
regressões.
A acurácia e a objetividade na
elaboração desses documentos são deveres do policial penal, que impactam
diretamente a liberdade do custodiado.
A Lei de Execução Penal é um
instrumento de equilíbrio entre a segurança pública e os direitos fundamentais.
Para o policial penal, a LEP é mais do que uma lei; é o guia ético e legal que
define sua missão. A atuação do policial penal, agora com status
constitucional, deve ser pautada pelo conhecimento técnico da LEP, garantindo
que a pena cumpra seu duplo papel: punir o crime cometido e, na medida do
possível, reintegrar o indivíduo à sociedade, sempre sob o prisma da legalidade
e da dignidade humana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário