segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

A Lei de Execução Penal e o Policial Penal

 

A Lei de Execução Penal (LEP) e a Atuação do Policial Penal: Princípios, Objetivos e Aplicação Prática

A Lei de Execução Penal (LEP), Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, é o diploma normativo que materializa os princípios e garantias constitucionais no âmbito do cumprimento das sanções penais. Ela é a "lei mestra" que rege a vida dentro do sistema prisional e o principal instrumento jurídico de trabalho do policial penal.

Com a Emenda Constitucional nº 104/2019, que inseriu a Polícia Penal no rol dos órgãos de segurança pública (Art. 144, CF), a relevância da LEP para a categoria se intensificou. O policial penal é o agente estatal que opera diretamente a engrenagem da execução penal, garantindo a segurança, mas, fundamentalmente, executando as diretrizes legais que visam a reintegração social do indivíduo.

Este capítulo do manual explora os princípios fundamentais, os objetivos e a aplicação prática da LEP na rotina do policial penal.


1. Princípios Fundamentais da Lei de Execução Penal

A LEP é informada por uma série de princípios que orientam toda a sua aplicação, sendo o mais importante o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1º, III, CF/88), que permeia toda a execução da pena.

1.1. Princípio da Legalidade (Nulla Poena Sine Lege)

A execução penal deve ser conduzida em estrita observância à lei. O Artigo 3º da LEP é claro:

"Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei."

Isso significa que o policial penal não pode impor restrições, sanções ou deveres que não estejam expressamente previstos na LEP ou na legislação correlata. A discricionariedade cede lugar à vinculação legal, garantindo a segurança jurídica tanto para o custodiado quanto para o servidor. A legalidade é a baliza que impede abusos e arbitrariedades.

1.2. Princípio da Individualização da Pena

A Constituição Federal (Art. 5º, XLVI) e a LEP determinam que a pena deve ser individualizada. A execução não é um processo em massa; cada interno possui um histórico, necessidades e um plano de cumprimento de pena específicos (o PIT - Plano Individualizado de Trabalho).

O policial penal, na sua atuação diária, contribui para a individualização ao observar o comportamento do apenado, suas necessidades de saúde, educação, trabalho e sua disciplina. Essas observações são vitais para a progressão de regime, a concessão de benefícios ou a aplicação de sanções disciplinares, que devem ser proporcionais à falta cometida.

1.3. Princípio da Humanidade da Pena

A LEP veda expressamente as penas cruéis (Art. 5º, XLVII, "e", CF). O Artigo 38 da LEP proíbe o emprego de "algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para o parto e durante o trabalho de parto, bem como em recém-nascidos". Mais amplamente, o princípio da humanidade exige que o tratamento dispensado ao preso seja digno, garantindo-lhe condições mínimas de higiene, saúde, alimentação e integridade física e moral.

Para o policial penal, isso se traduz no dever de zelar pela integridade física dos presos, prevenir motins, coibir agressões entre internos e entre internos e servidores, e garantir o acesso aos serviços básicos, sempre com urbanidade e respeito.


2. Objetivos da Lei de Execução Penal

O Artigo 1º da LEP define seus objetivos de forma holística, combinando a punição com a prevenção e a ressocialização:

"A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado."

2.1. Efetivação da Sentença

O primeiro objetivo é garantir que a pena imposta pelo Poder Judiciário seja efetivamente cumprida. Isso implica na custódia segura, na manutenção da ordem e na disciplina dentro do estabelecimento penal. A segurança é o pilar que sustenta todas as demais ações. Sem segurança, não há ressocialização possível.

2.2. Harmônica Integração Social (Ressocialização)

O grande desafio da LEP é a reintegração social. A lei não visa apenas punir, mas preparar o indivíduo para o retorno ao convívio social. A ressocialização se dá através de diversos mecanismos previstos na lei:

  • Trabalho: Dever e direito do preso, é fundamental para a disciplina e a remição da pena (abatimento de dias da pena por dias trabalhados - Art. 126, LEP).
  • Educação: Oferecimento de ensino fundamental, médio e profissionalizante (Art. 17, LEP).
  • Assistência: Material, jurídica, à saúde, social, religiosa e educacional (Art. 11, LEP).

O policial penal, ao garantir o acesso a essas assistências e ao ambiente de trabalho/educação, atua diretamente no objetivo ressocializador da lei.


3. A Aplicação Prática da LEP pelo Policial Penal

A LEP não é um manual de teoria jurídica para juízes e promotores; é, sobretudo, um manual de procedimentos para quem está na linha de frente da custódia.

3.1. Gestão da Disciplina e Comportamento Carcerário

A LEP classifica as faltas disciplinares (leves, médias e graves) nos Artigos 44 a 52. O policial penal é o principal agente na identificação e registro de tais faltas (como a posse de objetos proibidos, a desobediência, a evasão ou a agressão).

A aplicação prática exige do policial penal o conhecimento profundo do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), garantindo ao preso o direito à defesa e ao contraditório antes de qualquer sanção. A imparcialidade e a legalidade na apuração das faltas são cruciais para a validade do processo e para a manutenção da ordem.

3.2. A Dinâmica da Segurança (Intramuros)

A segurança dos estabelecimentos penais, atribuição constitucional da Polícia Penal, é regida pela LEP. Isso envolve:

  • Revistas: Procedimentos de revista pessoal (humanizados e respeitosos, vedando-se práticas vexatórias), de celas e de visitantes, conforme normas e protocolos internos e a Súmula Vinculante nº 11 do STF (uso de algemas).
  • Custódia e Escolta: Garantir a integridade do preso em movimentações internas, e externas para assistências médicas, audiências judiciais e remoções, utilizando técnicas de contenção e uso progressivo da força quando estritamente necessário.

3.3. Relatórios e Informação Processual

O policial penal é um produtor de informação essencial para o sistema de justiça. Relatórios de ocorrência, anotações de comportamento, registros de trabalho e estudo alimentam o processo de execução penal. É a partir dessas informações que o Juiz da Execução Penal decide sobre benefícios (progressão de regime, livramento condicional) ou regressões.

A acurácia e a objetividade na elaboração desses documentos são deveres do policial penal, que impactam diretamente a liberdade do custodiado.


A Lei de Execução Penal é um instrumento de equilíbrio entre a segurança pública e os direitos fundamentais. Para o policial penal, a LEP é mais do que uma lei; é o guia ético e legal que define sua missão. A atuação do policial penal, agora com status constitucional, deve ser pautada pelo conhecimento técnico da LEP, garantindo que a pena cumpra seu duplo papel: punir o crime cometido e, na medida do possível, reintegrar o indivíduo à sociedade, sempre sob o prisma da legalidade e da dignidade humana.

 "Manual Jurídico do Policial Penal" por Edson Moura

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