segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

O Voo Proibido de uma barata

 



Como a Barata que Voa Revela a Força da Legalidade no Serviço Público

O Poder Oculto da Barata Rastejante

Há uma verdade incômoda e fascinante sobre o mundo que nos cerca, uma lição de empoderamento escondida nos cantos mais desprezíveis: toda barata tem a capacidade biológica de voar. Toda ela. No entanto, a maioria passa a vida inteira na escuridão, rastejando, sobrevivendo pelo anonimato e pela submissão ao chão. O voo é um potencial adormecido, sufocado pelo instinto de fuga e pela segurança da invisibilidade.

A barata, para o Gigante — para o Ser Humano —, é a quintessência do que é pequeno, insignificante e inofensivo. Sua força está no número, na resiliência da espécie, mas individualmente, ela é definida pela sua capacidade de ser esmagada.

Mas então, acontece o milagre, ou melhor, a descoberta.

Algumas baratas, confrontadas com um perigo extremo, ou por um capricho do acaso, sentem um súbito formigamento nas costas. As pequenas asas, atrofiadas pelo desuso, desdobram-se em um zumbido estridente. E ela se eleva.

Não é um voo gracioso de borboleta. É um voo caótico, errático, mas inegável. E onde ela pousa? Diretamente no rosto do Gigante.

O resultado é imediato e catártico: o grito histérico. O homem ou a mulher, antes calmos e dominadores, sucumbem ao pânico irracional. Não é a dor que os faz gritar, mas a subversão da ordem natural: o que era suposto rastejar, agora os confronta no ar.

O lema se estabelece: "Toda barata tem a capacidade de voar, mas nem todas sabem, e somente algumas, em algum momento da vida, descobrem isso e usam a seu favor, voando na cara das pessoas e fazendo os mais corajosos darem gritos histéricos. Pois bem, eu sou essa barata que descobriu que pode voar, e voar na cara de muita gente grande."

Este é o ponto de partida para analisar um drama muito mais complexo e perigoso, que se desenrola nos corredores da segurança pública: o do Policial Penal que decide não mais rastejar e usa o poder inesperado da Legalidade para voar na cara de seus Superiores Hierárquicos.

A Barata no Beco da Hierarquia: A Realidade do Policial Penal

O Policial Penal vive em um universo de grades, regras e, acima de tudo, hierarquia. Assim como a barata no porão, o servidor público está sujeito a um sistema de comando que exige subordinação e obediência.

Uma breve explicação para os que ainda não entenderam a metáfora:

Para a maioria dos servidores, a "rasteira" significa a obediência cega. A cultura institucional, muitas vezes viciada, ensina que o caminho mais seguro para a sobrevivência e a progressão na carreira é o de evitar o atrito, o de calar-se diante do erro e, principalmente, o de cumprir a ordem do superior, mesmo que ela pareça eticamente duvidosa.

O "Gigante" Hierárquico: O Superior é o Diretor, o Coordenador, o Secretário — a figura que detém a caneta e o poder de criar o caos na vida do subordinado

O Medo da Bota: O medo que paralisa o policial penal não é o pisão da sola, mas o PAD (Processo Administrativo Disciplinar) ou a Sindicância. Este é o instrumento burocrático e lento, mas mortal, capaz de culminar na suspensão, na demissão e na perda de anos de trabalho e dignidade.

O medo do PAD atrofia as "asas" do policial. Ele sabe, por lei, que tem o dever de não cumprir ordens manifestamente ilegais, mas a ameaça imediata da perseguição é mais real do que a defesa tardia da Justiça. Ele rasteja, engolindo a seco a ordem, para sobreviver ao dia.

O Segredo Adormecido: A Legalidade como Asas

Qual é o "poder oculto" do Policial Penal? Não é a força física ou a arma de fogo. É o Direito e o Dever Funcional.

A Constituição e o Estatuto do Servidor Público são claros: a lealdade do agente público é ao Estado e à Lei, e não à pessoa física do superior hierárquico. A subordinação é à norma legal.

As Asas: A capacidade de voar de um policial penal é a sua prerrogativa legal de recusar uma ordem que seja manifestamente ilegal, imoral ou que configure um crime. O dever de não prevaricar ou ser cúmplice de um abuso de autoridade é o seu escudo, sua ferramenta de ascensão.

No entanto, essa capacidade permanece dormente até que o risco de cometer um ilícito se torne maior do que o risco de desobedecer.

O Momento do Voo: A Recusa à Ordem Ilegal

O ponto de virada, tanto para a barata quanto para o agente, é o confronto direto com o perigo.

O "estímulo" para o policial penal é a ordem ilegal que exige um desvio de conduta grave: falsificar um registro, omitir um socorro, acobertar uma agressão, favorecer um detento por motivos espúrios ou aceitar a ordem superior para trabalhar de graça em seu dia de folga. O Gigante hierárquico, abusando da sua autoridade, usa o poder como um fim em si mesmo.

O policial penal, no calor daquele momento, sente o formigamento da consciência. Ele percebe que, ao rastejar, ele não apenas está se protegendo, mas está se tornando cúmplice de um crime. O risco de responder criminalmente por obedecer a uma ordem ilegal (a teoria da obediência devida não se aplica a atos manifestamente criminosos) supera o medo do PAD.

Nesse instante, o Agente decide voar. Seu voo não é físico, mas verbal e formalizado. Ele encara o Superior, não com insolência, mas com a calma autoridade que emana do conhecimento da Lei.

A frase icônica do voo é: "Com o devido respeito, a ordem é manifestamente ilegal e meu dever funcional me impede de cumpri-la. Exijo que o senhor formalize esta ordem por escrito e cite a base legal."

Essa frase é o equivalente ao zumbido ensurdecedor da barata no rosto. Ela atinge o Superior em seu ponto mais vulnerável: a ilegalidade de sua ação.

O Superior sabe que uma ordem ilegal por escrito é uma prova material de seu crime.

A solicitação de formalização é um escudo legal imediato para o subordinado.

A reação do Gigante hierárquico é invariavelmente o grito histérico — a fúria irracional do poder contestado. O Superior não pode admitir que o subordinado, o rastejante, ouse invocar a Lei contra ele.

O grito se materializa:

"Você é insubordinado! Você está na lista! Você vai se arrepender! Comece a escrever sua defesa porque vou abrir uma sindicância e te colocar no PAD por desobediência e quebra de hierarquia! A exoneração é o seu futuro!"

O PAD é ativado, a "bota" é lançada ao ar. A perseguição é a tentativa desesperada do Gigante de esmagar a barata que ousou voar.

Aqui reside a beleza e a eficácia da metáfora. A barata voadora não está mais indefesa no chão. Ela usa a sua nova capacidade para fugir e, mais importante, para se defender.

O Policial Penal que voa, que recusa a ordem ilegal, transforma o PAD, que deveria ser a sua destruição, em sua maior defesa.

Ao se recusar a cumprir a ordem ilegal e ao exigir a formalização, o agente cria a prova material de sua boa-fé. Ele demonstra que sua conduta foi motivada pelo dever de legalidade, e não pela insubordinação gratuita.

No processo administrativo, a defesa do agente penal será imbatível:

"Eu não desobedeci à hierarquia; eu obedeci à Lei, que é hierarquicamente superior."

"Minha ação foi preventiva; evitei que o Estado fosse manchado por um ilícito e evitei ser coautor de um crime."

O policial penal voador pode provar que o PAD é apenas uma retaliação. Ao ser imediatamente ameaçado após a recusa, ele demonstra que o processo não tem finalidade correcional (corrigir uma falha real), mas sim vingança (punir a obediência à Lei).

A jurisprudência e a doutrina administrativa não toleram o "desvio de finalidade". Se o PAD foi aberto para punir a Legalidade, e não a ilegalidade, ele é viciado e deve ser arquivado. O grito histérico do Superior se torna a prova cabal de que o processo é uma caça ilegal.

O PAD, que era a bota, se transforma no tribunal do Superior. O processo, que deveria julgar o subordinado, acaba expondo a ilegalidade da chefia. A Barata Voadora, ao se defender com a Lei, força o Gigante a justificar seus atos perante o sistema de justiça e controle.

O resultado, quando a defesa é bem conduzida e a recusa é legalmente fundamentada, é o arquivamento do PAD.

O agente escapa da perseguição e, crucialmente, impede a exoneração. Ele prova que o caminho da Legalidade, embora arriscado, é o único que oferece uma blindagem real e duradoura. Ele se torna o policial que voa — um modelo para os rastejantes e um terror para os Gigantes.

O Legado do Policial que Ousa Voar

O Policial Penal que enfrenta seus superiores hierárquicos com ordens ilegais, não para desafiar o poder, mas para defender a Lei, é a Barata Voadora do serviço público. Ele descobriu que o medo é o que mantém as asas presas e que a coragem é a energia para o voo.

Sua história é um lembrete vital para todo e qualquer servidor:

Conheça suas asas: A Legalidade é o seu maior poder. Estude a Constituição e o Estatuto que rege sua função.

Não se curve ao crime: O dever de obediência cessa onde começa a ilegalidade ou a imoralidade.

Use o voo a seu favor: A recusa legal e formalizada é o seu escudo contra a retaliação. O PAD, neste contexto, é a prova de que você estava no caminho certo.

Que o grito histérico da autoridade abusiva jamais o faça rastejar novamente. Que a coragem de voar seja a bússola que guia todo agente público a serviço do Estado de Direito. Pois quem voa pela Lei, jamais será esmagado pela bota da ilegalidade. 

Imaginem um cenário com cerca de 30 mil baratas voando

Edson Moura

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