A Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, surgiu para substituir a vetusta Lei nº 4.898/1965, trazendo um novo paradigma para a responsabilização de agentes públicos. No contexto da Polícia Penal — carreira constitucionalizada pela Emenda 104/2019 —, a compreensão desta norma é imperativa, dado que o ambiente prisional é, por natureza, um local de constante tensão entre o poder de império do Estado e a preservação dos direitos fundamentais da pessoa privada de liberdade.
Definição e Sujeitos do Delito
O artigo 2º da Lei é claro ao definir que o sujeito ativo do crime de abuso de autoridade é qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional.
Para o Policial Penal, o enquadramento é direto. Seja o policial efetivo, o comissionado ou mesmo o contratado temporariamente, todos estão sob a égide desta lei. O bem jurídico tutelado aqui é duplo: a Administração Pública (seu prestígio e probidade) e os direitos fundamentais do cidadão (custodiado ou visitante).
O Elemento Subjetivo Especial: O "Dolo Específico"
Este é o ponto mais importante para a defesa técnica do Policial Penal. A Lei 13.869/2019 não admite a modalidade culposa (negligência, imprudência ou imperícia). Para que haja crime, o agente deve agir com a finalidade específica de:
1- Prejudicar outrem;
2 -Beneficiar a si mesmo ou a terceiro;
3 -Por mero capricho ou satisfação pessoal;
A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade (Art. 1º, § 2º). Isso protege a discricionariedade técnica do policial em situações de crise no sistema prisional.
Tipos Penais em Espécie no Sistema Prisional
O Policial Penal deve ter atenção redobrada aos seguintes artigos que tangenciam o cotidiano das unidades prisionais:
1 - Condução e Identificação (Art. 13 e 16)
É crime constranger o preso, mediante violência ou grave ameaça, a exibir-se à curiosidade pública ou a submeter-se a situação vexatória. No ambiente penal, o uso de algemas deve ser sempre justificado por escrito, seguindo a Súmula Vinculante nº 11 do STF, para evitar o enquadramento no Art. 13.
2 - O Interrogatório e o Direito ao Silêncio (Art. 15)
Prosseguir com o interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio ou que tenha optado pela assistência de advogado é crime. No âmbito de Processos Administrativos Disciplinares (PADs) internos, o Policial Penal deve respeitar estritamente estas garantias.
3 - O Ingresso em Domicílio (Art. 22)
Embora o Policial Penal atue majoritariamente dentro das unidades, em casos de monitoramento eletrônico (tornozeleiras) ou buscas em áreas externas, o ingresso em residência sem determinação judicial ou fora das exceções constitucionais (flagrante delito, desastre ou socorro) configura abuso grave.
4 - Omissão e Prorrogação de Prisão (Art. 12)
Deixar de cumprir alvará de soltura imediatamente ou manter a custódia sem fundamentação legal é uma das condutas mais fiscalizadas pelos Conselhos de Comunidade e Defensorias Públicas.
Consequências da Condenação
A condenação por abuso de auto
ridade não gera apenas penas restritivas de liberdade (detenção). As consequências secundárias são severas para a carreira:
Esfera Administrativa: A lei prevê a suspensão do exercício do cargo por 1 a 6 meses, com perda de vencimentos.
Esfera Cível: Obrigação de indenizar o dano causado (o juiz fixará o valor mínimo).
Esfera Funcional: A perda do cargo é possível em caso de reincidência específica, não sendo automática (deve ser motivada pelo juiz na sentença).
Limites da Atuação: O Uso Legítimo da Força
A lei não veio para "engessar" a polícia. O limite da atuação do Policial Penal encontra-se no Estrito Cumprimento do Dever Legal e na Legítima Defesa.
O uso da força para conter motins, rebeliões ou tentativas de fuga, desde que proporcional e pautado nos manuais de intervenção tática, não configura abuso. O abuso começa onde termina a necessidade e a legalidade da medida.
Conclusão: A Ética como Escudo
O Policial Penal que segue os Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) de sua instituição está tecnicamente protegido. A Lei de Abuso de Autoridade deve ser vista como um manual de ética profissional: ela pune o agente desvirtuado, mas preserva o profissional que atua dentro da técnica e do respeito à dignidade humana.
O conhecimento jurídico é a arma mais potente do Policial Penal moderno. Atuar com legalidade é garantir que o Estado de Direito prevaleça e que sua carreira permaneça ilibada.
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Edson Moura

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