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domingo, 28 de dezembro de 2025

O Colapso da empatia na Gestão Prisional

 


O Colapso da Empatia na Gestão Prisional

O sistema prisional é, por definição, um ambiente de tensões permanentes. Dentro das muralhas, a balança entre a ordem e o caos é mantida por um fio invisível chamado "moral da tropa". No entanto, neste tópico do Manual Jurídico do Policial Penal, vamos analisar como esse fio está sendo corroído por um fenômeno administrativo e sociológico alarmante: a desumanização do Policial Penal por aqueles que deveriam ser seus primeiros defensores — seus próprios Diretores de Unidade.

A liderança em ambientes de alto risco exige mais do que competência técnica ou conhecimento do regulamento disciplinar; exige legitimidade. E a legitimidade nasce do reconhecimento mútuo. Quando um gestor ascende ao cargo de comando e rompe o cordão umbilical que o ligava à base, ele instaura um regime de "amnésia de classe" que transforma colegas de farda em meros recursos operacionais descartáveis.

A "amnésia de classe" no serviço público, especificamente nas carreiras policiais, é um fenômeno intrigante. Como pode um indivíduo que passou anos enfrentando a insalubridade, o perigo iminente e a pressão psicológica dos pavilhões, das muralhas ou das escoltas, esquecer-se de tais sensações ao assumir uma cadeira estofada?

Sociologicamente, isso ocorre devido à burocratização da empatia. Ao assumir a diretoria, o foco do gestor muda do "produzir" para o "entregar resultados" à Secretaria. A pressão vinda de cima — metas de segurança, manutenção da ordem, contenção de gastos — passa a ser o único norte. Nesse processo, o Diretor passa a ver a unidade não como um conjunto de seres humanos, mas como uma máquina de engrenagens. Se uma peça (o policial) range por cansaço, a solução burocrática não é o óleo do descanso, mas o aperto da pressão administrativa.

O esquecimento da base não é apenas uma falha de memória; é uma escolha política de gestão. É mais fácil assinar uma convocação compulsória do que lutar perante os órgãos superiores por melhores condições de trabalho ou novos concursos públicos.

A gestão moderna frequentemente cai na armadilha do produtivismo cego. No sistema prisional, isso se traduz na obsessão pelo preenchimento de postos de trabalho a qualquer custo. Quando o Diretor olha para o quadro de pessoal e vê apenas "vagas" e "nomes", ele ignora as necessidades biológicas e emocionais que sustentam esses nomes.

Um policial penal não é uma constante matemática. Ele é uma variável influenciada pelo sono, pela alimentação e, crucialmente, pela vida familiar. Este artigo destaca o "amargor de passar o Natal longe dos pais, filhos, netos e cônjuges". Essa não é uma reclamação sentimentalista, mas uma constatação de que o trabalho policial consome o que o ser humano tem de mais sagrado: seu tempo de vida.

Quando a gestão ignora o esgotamento físico do subordinado e impõe o sacrifício da folga como regra, e não como exceção de extrema urgência, ela pratica uma violência institucional. O policial passa a sentir que sua vida privada não tem valor para a instituição. O resultado é a erosão da honra e o surgimento do sentimento de exploração.

A hierarquia e a disciplina são os pilares das forças de segurança. Contudo, elas não devem ser confundidas com autoritarismo ou indiferença. O líder de verdade lidera pelo exemplo e pelo suporte. No ambiente carcerário, onde o erro de um pode custar a vida de muitos, a confiança no comando é o que garante que a ordem será cumprida com excelência.

Quando um Diretor convoca um subordinado na folga "sem qualquer remorso ou contrapartida", ele rompe o contrato moral da tropa. A liderança administrativa foca no papel; a liderança de comando foca nas pessoas. Um policial exausto é um perigo para si mesmo, para seus parceiros e para a segurança da unidade. O "líder" que mói a saúde mental de seus pares para apresentar números bonitos ao sistema está, na verdade, semeando uma tragédia anunciada.

Um dos pontos mais polêmicos e necessários do debate proposto é a interpretação do absenteísmo — o uso de atestados médicos — como uma ferramenta de resistência. Tradicionalmente, a gestão vê o atestado como "má-fé". No entanto, sob a ótica da dignidade humana, ele muitas vezes é a única barreira legal contra o arbítrio.

Se a instituição não respeita o direito ao descanso e à desconexão, o corpo do policial eventualmente cobrará a conta. O esgotamento (Burnout) nas fileiras da Polícia Penal é uma realidade estatística. Quando o diálogo é substituído por convocações arbitrárias, o servidor utiliza o que lhe resta: o respaldo médico para garantir sua sobrevivência psíquica.

Não se trata de apologia à falta ao trabalho, mas de uma análise de causa e efeito. O desrespeito institucional é o combustível do absenteísmo. Se o comando não oferece empatia, a base responde com o distanciamento legal. É um "caos silencioso" que desestrutura a unidade e sobrecarrega aqueles que permanecem, criando um ciclo vicioso de adoecimento.



O Papel do Manual Jurídico do Policial Penal

Este segundo volume do Manual Jurídico do Policial Penal serve como um farol para a categoria. Ele reforça que a eficiência do sistema penitenciário não é medida por quantas horas extras foram forçadas, mas pela qualidade do serviço prestado por servidores valorizados.

O Direito, aqui, não é apenas um conjunto de leis frias, mas uma ferramenta de proteção da humanidade do servidor. A "tranca ou as ruas" exigem um profissional em pleno gozo de suas faculdades mentais. O Manual deixa claro que a segurança pública é indissociável da saúde do agente público. Gerir com base na legalidade estrita, ignorando a razoabilidade e a proporcionalidade, é uma falha técnica e moral.

Para reverter esse quadro, é necessário que as Escolas de Gestão Prisional foquem na formação de líderes, não apenas de chefes administrativos. É preciso resgatar a "memória da grade".

Gestão de Pessoas vs. Gestão de Postos: É urgente que o RH das unidades entenda a dinâmica das escalas como um fator de saúde pública. A Polícia Penal é estatisticamente uma das profissões com maior índice de suicídio e transtornos de ansiedade.

Quando o RH impõe convocações em folgas sem critérios de saúde, ele acelera o esgotamento mental do servidor. Tratar a escala como saúde pública significa planejar períodos de "descompressão" obrigatórios. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e órgãos de direitos humanos têm enfatizado que a integridade do sistema depende da integridade mental de quem o opera.

Transparência e Contrapartida: Se a convocação é necessária por falta de efetivo, deve haver um reconhecimento, seja financeiro, seja em folgas compensatórias justas, e nunca através da imposição desmedida. Muitos estados já regulamentam a prestação de serviços em períodos de folga através de leis específicas que criam gratificações por trabalho em tempo integral ou diárias operacionais. Por exemplo, em São Paulo, a Lei Complementar que instituiu a DEJEP (Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Penitenciário) regulamenta esse pagamento.

O próprio STF alterou seu entendimento anterior e passou a permitir a acumulação do subsídio com o pagamento de horas extras, abrindo precedentes favoráveis para a categoria em ações judiciais.

A "imposição desmedida" de convocações entra em conflito direto com o princípio da razoabilidade e com a proteção à saúde e ao descanso do servidor. A falta de efetivo, embora seja um problema crônico do sistema prisional, é um ônus da administração pública, não do servidor individual.

Canais de Diálogo: O Diretor deve ser acessível. A distância entre o gabinete do chefe de departamento e o pavilhão e principalmente os muros e a escolta, não pode ser maior que o respeito entre os colegas de farda. Na muralha o tempo passa devagar, a exposição às intempéries é constante e o sentimento de "esquecimento" pelo comando é comum. Na Escolta o risco é iminente e a responsabilidade é máxima, muitas vezes com recursos limitados.

Quando o Diretor sai do gabinete e vai até esses postos, ele não está apenas fiscalizando; ele está validando a importância daquela função. Um comando que não pisa no local onde o risco acontece perde a autoridade moral para exigir sacrifícios.

A distância física entre o ar-condicionado da diretoria e o calor do pavilhão, dos muros e das ruas é de poucos metros, mas a distância emocional pode ser quilométrica. A sala do Chefe muitas vezes torna-se uma bolha de planilhas e burocracia. Mas é na carceragem, nos muros e escoltas que a "vida real" do sistema acontece.

Se o Diretor não é acessível, ele deixa de receber o feedback real da tropa. Ele passa a decidir com base em papéis, ignorando que aquela "escala ajustada" no computador significa, na prática, um policial em jejum ou sem descanso adequado para a escolta do dia seguinte.

O sistema prisional brasileiro atravessa um momento de transição com a regulamentação da Polícia Penal. No entanto, de nada adianta o reconhecimento constitucional se, internamente, as práticas de gestão continuarem ancoradas no desprezo pelo servidor ou por frases como: “sempre foi assim”.

o Diretor, seja de Núcleo, de Centro ou Geral,  que esquece sua origem, condena sua unidade ao fracasso. A verdadeira força de uma força de segurança não está nas armas ou nas muralhas, mas na integridade e na motivação de seus homens e mulheres. Gerir exige técnica, mas manter o sistema em pé exige humanidade. Que o "Manual Jurídico" seja lido não apenas como regra, mas como um manifesto pela dignidade de quem dedica a vida a manter a sociedade segura, muitas vezes à custa da própria paz.

Se você Policial Penal deseja mais informações sobre direitos e diretrizes na gestão pública e penitenciária, consulte o Portal do Conselho Nacional de Justiça ou a legislação vigente no Portal da Legislação do Planalto.

Edson Moura

 

sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

O Sacrifício Silencioso do Policial Penal

 


A CRONOLOGIA DO DEVER: A PERCEPÇÃO TEMPORAL E O SACRIFÍCIO SILENCIOSO DO POLICIAL PENAL

    Este capítulo do Manual Jurídico do Policial Penal (Volume 2) disseca um aspecto profundo e, muitas vezes, negligenciado da psicologia da profissão: a alteração da percepção temporal e a redefinição das prioridades pessoais frente ao dever ininterrupto de garantir a segurança pública no sistema prisional.

 O Tempo Circular: A Rotina e a Perda do Calendário Cívico

    A vida em sociedade é estruturada por ciclos: dias da semana úteis, fins de semana de descanso e feriados de celebração. O Policial Penal, no entanto, opera em uma dimensão temporal distinta, regida pelo sistema de plantão, que é, por natureza, refratário a essa cronologia civil.

    A percepção de que "todos os dias são iguais" não é um mero desabafo, mas um efeito colateral direto da natureza da custódia prisional. O sistema prisional opera 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano. A rotina do plantão (24x48, 12x36 ou outras escalas) impõe uma uniformidade de procedimentos: a contagem de presos, a entrega de alimentação, a revista, o banho de sol. Esses rituais se repetem com uma precisão monótona, apagando as nuances que diferenciam uma terça-feira de um sábado para o cidadão comum.

    Essa rotina circular gera uma "cegueira cronológica". O policial foca no plantão vigente e no próximo plantão de folga, e não na data cívica. O marco temporal deixa de ser "Natal" e passa a ser "Plantão Véspera de Natal".

A Solidão das Datas Comemorativas e a Distância Familiar

    O conflito entre a vida profissional e a vida pessoal atinge seu ápice durante as datas comemorativas. Enquanto a sociedade celebra a união, o Policial Penal se encontra em um estado de dissociação, alheio à felicidade dos familiares.

    No início da carreira, essa dissonância costuma ser fonte de angústia e frustração. A ausência no aniversário do filho, no Natal ou na virada do ano é um custo emocional elevado. No entanto, com a progressão da carreira e a consolidação da identidade profissional, ocorre uma mudança de paradigma. O foco migra da celebração pessoal para o "dever com os colegas".

    A camaradagem e a lealdade de equipe (o "irmão de farda") tornam-se a nova família substituta no ambiente prisional. O plantão de Natal não é mais um sacrifício solitário, mas um dever compartilhado com a equipe que está na linha de frente. Esse senso de pertencimento e dever mútuo substitui a dor da ausência familiar pela força do compromisso profissional.

    A família, por sua vez, compreende a natureza da profissão. O sofrimento, se existe, não é pela falta de amor, mas pela constatação de que o ente querido está em um ambiente hostil enquanto eles estão em segurança. Eles entendem a vocação, mas lamentam o preço a ser pago por essa escolha de vida.

    


A Percepção de Insensibilidade: Mecanismos de Defesa Emocional. A sociedade, que vive sob a cronologia cívica dos feriados e fins de semana, muitas vezes percebe o Policial Penal como insensível ou frio por não demonstrar sofrimento com essas ausências.

    Essa aparente insensibilidade é, na verdade, um mecanismo de defesa psicológica. Se o policial sofresse intensamente a cada feriado trabalhado, a carga emocional se tornaria insustentável, levando ao burnout, à depressão ou a problemas de saúde mental que comprometem a segurança operacional. A "frieza" é, na verdade, um ajuste cognitivo que permite a manutenção do foco e do profissionalismo. O policial aprende a compartimentar a vida:

 Modo Operacional: Foco total no trabalho, desapego às datas, prioridade para a segurança e a equipe.

 Modo Familiar: Foco na recuperação, no convívio, buscando "repor" o tempo perdido nas folgas.

    Essa forma de ver os dias passar tem uma "vantagem": evita o sofrimento agudo em momentos de grande apelo emocional coletivo, como a final da Copa do Mundo, o Réveillon ou o Carnaval. O policial se torna resiliente à frustração de perder eventos sociais, pois esses eventos deixaram de ser marcadores de tempo relevantes em sua vida.

    A alteração da percepção temporal do Policial Penal é um elemento intrínseco e inevitável da carreira. É o preço invisível pago pelo serviço público essencial. Do ponto de vista jurídico e administrativo, a manutenção da sanidade mental do servidor diante dessa rotina exige políticas de apoio psicológico e o reconhecimento institucional desse sacrifício.

    O dever do Policial Penal é garantir que o Estado de Direito prevaleça, 24 horas por dia, sem feriados ou pausas. A honra da profissão reside nesse compromisso inabalável com a segurança, mesmo que isso signifique perder a noção de que dia é hoje, em troca da garantia de que o sistema continue a funcionar amanhã.

Para que o texto alcance a profundidade necessária para o Volume 2 do Manual Jurídico do Policial Penal, adicionei uma seção específica sobre o impacto das convocações irregulares na saúde mental e na dinâmica operacional. Este trecho conecta o sacrifício vocacional à realidade administrativa muitas vezes negligente.

A Patologização da Folga: Convocações Irregulares e o Ciclo do Esgotamento 

    Se a alteração da percepção temporal já é um desafio intrínseco à profissão, ela é agravada quando a administração pública rompe o pacto de confiança com o servidor. Um fenômeno crítico no sistema penitenciário atual é a prática de Diretores de Unidades Prisionais que, diante de déficits de efetivo, recorrem a convocações compulsórias em dias de folga sem a devida contrapartida — seja ela o pagamento da DEJEP (Diária Especial por Jornada Extraordinária) ou a compensação de horas.

 O Conflito Ético e a Resistência Passiva

    Quando o Estado exige o sacrifício do descanso sem a devida retribuição legal, o policial penal se vê diante de um dilema moral. O tempo de folga, que deveria ser o período de "ressincronização" com a família e com a própria saúde mental, passa a ser visto com ansiedade. A expectativa de um telefonema ou de uma mensagem de convocação transforma o lar em uma extensão da unidade prisional. Neste cenário, surge um fenômeno alarmante: a resistência passiva através de atestados médicos.

    O policial que, por vocação, estaria disposto a cumprir seu dever, sente-se desvalorizado e injustiçado. O "fingir estar doente" para justificar a ausência em uma convocação irregular não é apenas uma falta funcional; é um sintoma de um sistema doente que empurra o servidor para a marginalidade administrativa como forma de autoproteção. Essa prática gera um ciclo vicioso:

A Pressão Administrativa: O Diretor, pressionado pela falta de pessoal, convoca o servidor na folga sem remunerá-lo.

O Ressentimento do Servidor: O policial, sentindo que seu tempo pessoal é tratado como mercadoria sem valor pelo Estado, adoece psicologicamente ou simula o adoecimento.

A Sobrecarga da Equipe: A ausência (justificada por atestado) sobrecarrega os colegas que estão no plantão, aumentando o risco de incidentes críticos, rebeliões e erros operacionais.

    O Manual Jurídico do Policial Penal  é enfático: o descanso do Policial Penal não é apenas um direito trabalhista, é um requisito de segurança pública. Um policial exausto, que trabalha sob o peso de convocações não remuneradas, tem sua percepção e seus reflexos comprometidos.

    Juridicamente, a convocação sem contrapartida configura enriquecimento ilícito do Estado e desvio de finalidade. A institucionalização da DEJEP e de programas de parceria (conforme discutido nos capítulos anteriores) são as únicas vias legais para suprir o déficit de pessoal sem aniquilar a saúde mental do servidor. O atestado médico, quando usado como refúgio contra o abuso administrativo, é o grito de socorro de uma categoria que aceita perder o calendário, mas não aceita perder a dignidade.

    O Policial Penal é o guardião das chaves do Estado, mas ele não pode ser prisioneiro da própria função. A aceitação da rotina circular e o desapego às datas festivas são provas de resiliência e amor à farda. Entretanto, essa entrega exige respeito por parte da gestão. Para que o policial continue a olhar para os dias que passam com o foco no dever e não com o amargor da injustiça, o Estado deve garantir que o tempo de serviço seja honrado e o tempo de folga seja sagrado.

    Este acréscimo serve para alertar gestores sobre os perigos da gestão por pressão e para amparar juridicamente o servidor que busca o equilíbrio entre a vida operacional e a integridade psíquica.

Edson Moura

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Compleição física e Postura no uso diferenciado da força

 


A PRESENÇA COMO ATO DE FORÇA: COMPLEIÇÃO FÍSICA E POSTURA NO USO DIFERENCIADO DA FORÇA PELO POLICIAL PENAL

O Paradigma da Prevenção Ativa

No contexto do sistema penitenciário moderno, a segurança não se resume à aplicação de sanções ou ao uso de armamentos. A segurança é, primordialmente, uma construção de percepções. O Policial Penal, ao adentrar o raio habitacional (Pavilhão),  o pátio de sol, à inclusão para retirada de detentos que serão transportados, não carrega apenas seu distintivo e seus equipamentos; ele carrega sua própria imagem como o primeiro instrumento de controle estatal.

O Uso Diferenciado da Força (UDF) é frequentemente ensinado como uma escada que começa na "presença física". No entanto, raramente se disseca o que constitui essa presença. Neste Volume do Manual Jurídico do Policial Penal, tratamos a compleição física e a postura não como vaidade estética, mas como ferramentas jurídicas de preservação da integridade física. Um policial penal bem condicionado e posturado reduz a probabilidade de um confronto físico, o que, por consequência, reduz a responsabilidade civil e administrativa do Estado e do próprio servidor por eventuais danos causados em combates aproximados.

A Compleição Física como Primeiro Nível de Dissuasão

A psicologia do ambiente prisional é regida por dinâmicas de poder e leitura de vulnerabilidades. O custodiado, ao planejar uma subversão da ordem ou uma agressão, realiza uma análise de risco instintiva.

A necessidade de o policial estar em boas condições físicas é uma questão de economia de força. Um policial penal que demonstra vigor, agilidade e força funcional transmite a mensagem silenciosa de que o custo da resistência será alto.

Muitas situações de crise — desde um princípio de motim até uma recusa de cela — são minimizadas ou "vencidas" antes mesmo de uma palavra ser dita. A imagem de um policial imponente atua no subconsciente do agressor, ativando mecanismos de autopreservação que o levam à obediência. Em termos jurídicos, a compleição física adequada é o cumprimento do princípio da Proporcionalidade, pois evita que o agente precise saltar níveis no escalonamento da força (como o uso de tonfa ou agentes químicos, armas com munição de elastômero ou em último caso, munição letal) por não ter capacidade física de sustentar sua autoridade apenas com a presença.

Se o corpo é o instrumento, a postura é a técnica. A postura do Policial Penal deve equilibrar a autoridade com o profissionalismo, evitando os dois extremos perigosos: a passividade (que convida à agressão) e a agressividade gratuita (que gera retaliação).

O Olhar Direto: Vigilância sem Psicopatia

O contato visual é a espinha dorsal da postura policial. O "olhar direto" mencionado nesta obra não deve ser confundido com o encarar desafiador, típico de confrontos de gangues ou transtornos antissociais.

 

 O Olhar Profissional: É um olhar de escaneamento e foco. Ele comunica que o policial está ciente de tudo o que ocorre ao seu redor. Ao focar em um indivíduo, o policial deve manter os olhos fixos, mas com a face serena.

O Erro da Intimidação Excessiva: Olhar de forma maníaca ou descontrolada ("olhar de psicopata") sinaliza instabilidade emocional. O custodiado não teme o instável; ele o testa. O policial que parece ter perdido o controle sobre suas próprias emoções perde a autoridade moral da função.

A Postura de Prontidão

A coluna ereta, o peito aberto e as mãos em posição de "entrevista" (acima da linha da cintura, prontas para defesa ou verbalização) compõem a geometria da autoridade. Ombros caídos ou mãos nos bolsos sinalizam desleixo, o que é interpretado como uma brecha na segurança da unidade.


O Segundo Contato: A Verbalização Técnica

Quando a presença física não é suficiente para garantir a obediência, o Policial Penal avança para o segundo nível do UDF: a verbalização.

O erro mais comum em situações de estresse é o policial gritar de forma histérica. O grito descontrolado é um sinal de medo e perda de domínio da situação.

Voz Firme e Grave: A autoridade reside no timbre e na cadência. Uma voz firme, projetada pelo diafragma, comunica clareza e determinação.

A Psicologia do Volume: Ao manter o tom de voz controlado (mesmo que elevado para ser ouvido), o policial força o interlocutor a baixar seu próprio nível de ruído para entender a ordem. O grito deve ser reservado para ordens de impacto momentâneo, mas a gestão do conflito é feita pela palavra firme.

Infraestrutura e Capacitação: A Implementação de Academias Setoriais

A doutrina do Uso Diferenciado da Força (UDF) é inócua se o Estado não fornecer os meios para que o servidor mantenha o "instrumento" de trabalho — seu próprio corpo — em condições de pronto-emprego. A eficácia da presença física, discutida nos capítulos anteriores, depende de uma política institucional de saúde e treinamento contínuo.

A implementação de academias de musculação e treinamento funcional dentro das unidades prisionais, ou em complexos regionais, não deve ser vista como um privilégio, mas como um investimento em segurança passiva.

Policiais penais treinados possuem melhor tempo de reação e maior resistência ao estresse. Isso reduz o número de afastamentos por lesões em serviço ou doenças psicossomáticas. Diferente de uma academia comercial, a academia institucional deve focar na "força funcional". Isso inclui o treinamento de explosão, técnicas de imobilização (jiu-jitsu, judô) e condicionamento cardiorrespiratório para situações de contenção em ambientes confinados e sob altas temperaturas.

 

Reconhecendo as limitações orçamentárias para a construção imediata de centros de treinamento em todas as unidades, o Estado deve fomentar parcerias com academias particulares. Através de editais de credenciamento ou termos de parceria, o policial penal pode usufruir de estruturas privadas com custos subsidiados ou isenção de taxas. Para o setor privado, a presença de policiais treinando em seus estabelecimentos aumenta a segurança orgânica do local. Para o Estado, garante-se um servidor apto sem o custo imediato de manutenção de grandes infraestruturas.

O Sistema de Incentivos e a Valorização do Treinamento Extracurricular

Historicamente, forças de elite e instituições como a Polícia Militar e a Polícia Federal já implementaram mecanismos que reconhecem o esforço do servidor que se mantém treinado fora do horário de expediente. No âmbito da Polícia Penal, essa transição é fundamental para a consolidação da carreira.

Para que o treinamento após o horário de trabalho seja efetivo, ele precisa ser incentivado por resultados tangíveis na carreira. Incentivos Pecuniários e Promocionais: A exemplo de outras forças, a aprovação anual em um Teste de Aptidão Física (TAF) de alto rendimento poderia gerar pontuação adicional para fins de promoção por merecimento ou até mesmo um "Adicional de Prontidão Operacional".

Aptidão como Requisito para Grupos Especializados: O acesso a grupos de intervenção (como o GIR ou similares) deve estar condicionado à manutenção rigorosa de índices físicos, criando uma cultura de excelência que transborda para o restante da tropa.

Conforme discutido anteriormente, o trabalho na folga deve ser remunerado via DEJEP. No entanto, o treinamento na folga deve ser encarado como um investimento na própria vida e na segurança dos companheiros.

Horas de Treinamento como Carga Horária: Uma proposta inovadora para o Manual Jurídico é a computação de horas comprovadas em academias conveniadas como parte de um banco de horas para capacitação, ou a oferta de cursos de defesa pessoal técnica que somem pontos no currículo funcional do servidor.

A compleição física e a postura do Policial Penal são, em última análise, a materialização da autoridade estatal. O Estado tem o dever de não apenas exigir esse padrão, mas de prover os meios (academias e parcerias) e os incentivos (promoções e bônus) para que o servidor não sucumba ao sedentarismo e ao estresse da atividade. O Policial Penal do século XXI não é um mero "chaveiro", mas um operador tático e jurídico que entende que seu corpo e sua voz são as primeiras ferramentas para a manutenção da paz social dentro do sistema penitenciário.

A integração destes conceitos no cotidiano das unidades prisionais reduzirá drasticamente o uso da força física real, protegendo o policial de processos administrativos e preservando os direitos fundamentais do custodiado através do controle absoluto do ambiente.

Edson Moura

"O Tabagismo no cárcere! A contradição que adoece e custa caro"

 


O TABAGISMO NO SISTEMA PRISIONAL E A CONTRADIÇÃO JURÍDICO-ADMINISTRATIVA

O Volume 2 deste manual dedica-se a uma das questões mais ambíguas e complexas da rotina carcerária: a convivência entre a proibição de substâncias e a permissividade do tabaco em ambientes de custódia. No "campo de batalha silencioso" do cárcere, o cigarro é frequentemente utilizado como uma moeda de troca e um "estabilizador" de ânimos, mas a que custo jurídico e de saúde para o Estado e para os seus servidores?

A Contradição das Substâncias: Álcool x Tabaco

Uma das primeiras perguntas que surgem na gestão das unidades é a disparidade de tratamento entre o álcool e o cigarro. Por que o álcool é terminantemente proibido e o cigarro é amplamente tolerado?

A Proibição do Álcool: A justificativa para a proibição do álcool é estritamente segurança e disciplina. O álcool é uma substância desinibidora que altera o comportamento, podendo potencializar a agressividade, diminuir o tempo de reação e julgamento, e servir como estopim para motins, agressões contra servidores e conflitos entre custodiados. Juridicamente, a posse de álcool ou substâncias que alterem a consciência é considerada falta grave, pois compromete a ordem e a disciplina interna.

A Permissividade do Cigarro: O cigarro, por outro lado, é visto historicamente pela administração como um "redutor de ansiedade". A justificativa para sua manutenção no cárcere não é de saúde, mas de estratégia de contenção. Teme-se que a proibição abrupta do tabaco em um ambiente já tensionado possa gerar crises de abstinência coletiva e desestabilização das unidades prisionais. No entanto, essa "paz social" comprada com nicotina gera uma contradição jurídica direta com as normas de saúde pública.

A Unidade Prisional como Repartição Pública e a Legalidade do Fumar na Cela

Um ponto nevrálgico desta discussão é a natureza jurídica do estabelecimento penal. A unidade prisional é, inquestionavelmente, uma repartição pública. Como tal, ela está sujeita à Lei Federal nº 12.546/2011 (Lei Antifumo), que proíbe o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno em recinto coletivo fechado, público ou privado.

Pode-se fumar na cela? Sob a ótica da legalidade estrita, não. A cela, embora seja a "residência" temporária do preso para fins de intimidade, é um espaço de custódia estatal, integrando um prédio público. Quando o Estado permite que se fume dentro das celas, ele está ignorando a legislação federal e expondo tanto os fumantes quanto os não fumantes a um ambiente insalubre.

Impactos na Saúde e a Oneração do Sistema

A permissividade do tabagismo no cárcere não é inofensiva; ela é uma fonte de oneração direta do sistema de saúde e da administração pública.

O ambiente carcerário já é propício à proliferação de doenças respiratórias devido à ventilação precária e ao confinamento. O uso do tabaco agrava quadros de bronquite crônica, enfisema e câncer de pulmão.

É comum encontrarmos detentos com doenças graves como tuberculose, pneumonia ou asma convivendo em celas superlotadas com dezenas de outros detentos que fumam ininterruptamente. Juridicamente, isso configura uma omissão estatal no dever de cuidado. O Estado, ao manter um não fumante ou um doente respiratório em um ambiente saturado de fumaça, viola o preceito constitucional da dignidade da pessoa humana e o direito à saúde.

A conta dessa permissividade chega através das escoltas médicas frequentes, do custo elevado de medicamentos e das internações hospitalares que poderiam ser evitadas. Além disso, abre-se a porta para ações de indenização contra o Estado por danos à integridade física do custodiado que entrou saudável e saiu com doenças pulmonares crônicas.

Programas Antitabagismo e Suporte ao Combate ao Vício

Para resolver essa contradição, o este Manual Jurídico propõe que a administração avance para além da simples proibição, focando na transição e no suporte. Não se trata apenas de proibir, mas de tratar o vício como uma questão de saúde pública dentro da execução penal.

A implementação de programas antitabagismo deve incluir o fornecimento de adesivos de nicotina, medicamentos específicos e palestras motivacionais conduzidas por equipes de saúde. O objetivo é oferecer ao custodiado uma saída para a dependência química que o cigarro impõe.

Enquanto o tabagismo não for erradicado, é imperativo que a gestão das unidades crie celas e pavilhões isolados para fumantes e não fumantes. Essa medida visa proteger o direito dos não fumantes a um ambiente livre de fumaça, minimizando os danos causados pelo fumo passivo.


O Reflexo no Policial Penal: Saúde Ocupacional

Este debate não se limita aos custodiados. Tudo o que foi discutido serve também para o Policial Penal.

O servidor que trabalha em alas onde o fumo é permitido torna-se um fumante passivo compulsório. Durante plantões de 12 ou 24 horas, o policial inala a fumaça proveniente das galerias e celas, o que representa um risco ocupacional grave. A exposição contínua pode levar o servidor a desenvolver as mesmas doenças pulmonares dos detentos, resultando em afastamentos médicos, redução da capacidade laborativa e queda na qualidade de vida.

O Foco na Saúde do Policial Penal representa uma mudança de paradigma essencial na gestão do sistema prisional moderno. Historicamente, as políticas de saúde em ambientes de custódia concentraram-se quase exclusivamente na população carcerária, negligenciando o fato de que o servidor público — o Policial Penal — divide o mesmo ecossistema insalubre, enfrentando riscos ocupacionais que extrapolam a segurança física e atingem diretamente sua integridade biológica e psicológica.

Um dos pontos mais críticos dessa exposição é o tabagismo. No ambiente fechado das galerias e pavilhões, o Policial Penal frequentemente torna-se um "fumante passivo compulsório". Durante plantões exaustivos, o servidor inala continuamente a fumaça proveniente das celas, o que configura um risco invisível, mas devastador. A exposição prolongada a substâncias tóxicas do tabaco está diretamente ligada ao desenvolvimento de patologias respiratórias graves, como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), enfisemas e diversos tipos de câncer. Portanto, lutar por unidades prisionais livres de tabaco não é apenas uma questão de disciplina para o custodiado, mas uma medida de segurança do trabalho para o policial.

Para reverter esse quadro, é imperativo que o Estado inclua o Policial Penal de forma prioritária em programas de saúde ocupacional. Esses programas não podem ser meramente protocolares; devem oferecer suporte real e tangível. Isso inclui o acesso facilitado a consultas com pneumologistas e cardiologistas, exames periódicos de função pulmonar e, sobretudo, o mesmo suporte farmacológico oferecido aos que buscam cessar o vício. Se há distribuição de adesivos de nicotina, gomas de mascar terapêuticas ou medicamentos específicos para os custodiados, esses mesmos recursos devem estar disponíveis, sem burocracia, para o servidor que deseja abandonar o tabagismo ou mitigar os danos da exposição passiva.

Além do suporte medicamentoso, a dimensão educativa e psicológica é vital. Palestras motivacionais, grupos de apoio e acompanhamento psicológico focado no manejo do estresse são fundamentais. O Policial Penal lida diariamente com uma carga de tensão elevadíssima; muitas vezes, o cigarro surge como uma válvula de escape ilusória para a ansiedade do cárcere. Combater essa percepção exige uma abordagem humanizada que trate o policial como um indivíduo cuja saúde é o ativo mais precioso da instituição.

O reflexo direto de um foco rigoroso na saúde do servidor é a redução drástica dos afastamentos médicos e das licenças para tratamento de saúde. Um corpo policial saudável é mais eficiente, possui maior tempo de reação, melhor capacidade de julgamento e uma qualidade de vida superior fora do horário de serviço. O Estado, ao investir na prevenção e no suporte à saúde do Policial Penal, economiza recursos públicos que seriam gastos com substituições de pessoal e tratamentos de alta complexidade.

Em suma, a saúde do Policial Penal deve deixar de ser um tópico secundário para se tornar o pilar central da administração penitenciária. Garantir que o servidor não adoeça no exercício de sua função é um dever jurídico e moral do Estado. Afinal, o maior escudo de um policial é o seu conhecimento jurídico, mas sua maior ferramenta de trabalho é a sua própria vida e saúde preservadas.

Portanto, a luta por um ambiente livre de tabaco nas unidades prisionais é também uma luta pela segurança e saúde do servidor. O Policial Penal deve estar ciente de que a "flexibilidade" em permitir o fumo em locais proibidos afeta diretamente seus próprios pulmões.

Edson Moura

domingo, 21 de dezembro de 2025

O Policial Penal como Agente de Transformação e a Superação do Paradigma do Carcereiro


Este é ensaio técnico-doutrinário estruturada para compor a segunda edição do Manual Jurídico do Policial Penal. O texto aborda a transição paradigmática da carreira, o fundamento legal da ressocialização e a incompatibilidade do modelo de "carcereiro" com a gestão penitenciária moderna em 2025.

A Ressocialização como Dever Funcional: O Policial Penal como Agente de Transformação e a Superação do Paradigma do Carcereiro

A Nova Era da Polícia Penal

A promulgação da Emenda Constitucional nº 104/2019 não apenas criou uma nova força de segurança pública; ela consolidou uma transição de identidade que vinha sendo gestada há décadas. O Policial Penal de 2025 não é um herdeiro dos antigos "carcereiros" ou "guardas de presídio", figuras cuja função limitava-se à custódia estática e ao exercício da força bruta. Hoje, o Policial Penal é o operador primário da Lei de Execução Penal (LEP), e sua função precípua, conforme definido no Art. 1º da referida lei, é proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

Este capítulo do Manual Jurídico dedica-se a uma verdade incontestável: não há mais espaço nas Secretarias de Administração Penitenciária (SAP) para o pensamento retrógrado. O profissional que ainda enxerga o sistema prisional apenas como um depósito de seres humanos está em dissonância não apenas com a lei, mas com a eficiência da segurança pública.

O Fundamento Jurídico da Função: A LEP como Norte

A Lei nº 7.210/84 (LEP) é clara ao estabelecer que o objetivo da execução penal é duplo: castigar (no sentido de aplicar a sanção imposta pelo Estado) e reabilitar. O Policial Penal, enquanto braço executivo do Estado dentro das unidades, é o garantidor desse equilíbrio.

Quando o artigo 10 da LEP afirma que "a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade", ele está endereçando uma ordem direta ao Policial Penal. Negar a ressocialização é, portanto, uma prevaricação funcional e ética. O policial que obstrui o acesso ao estudo, ao trabalho ou ao tratamento digno está violando o próprio estatuto que o rege.

O Custo do "Modelo Carcereiro"

O pensamento do "antigo carcereiro" baseia-se na premissa de que a punição deve ser exacerbada por maus-tratos ou pela privação de direitos fundamentais além da liberdade. No entanto, a história e as estatísticas de segurança pública em 2025 provam que esse modelo é o maior recrutador de facções criminosas.

Onde o Estado se faz presente apenas pela opressão e nega a ressocialização, o crime organizado preenche o vácuo, oferecendo o suporte que a administração nega. O policial que mantém uma postura puramente punitivista acaba, ironicamente, fortalecendo as estruturas criminosas que ele jurou combater. A Secretaria de Administração Penitenciária moderna exige um gestor de crises e um mediador de conflitos, não um agente de tortura psicológica ou física.


Eficiência vs. Retrocesso

Para ilustrar a necessidade dessa mudança de mentalidade, analisemos dois cenários práticos que podem ocorrer no cotidiano das unidades:

Caso A: O Sucesso do Método APAC ¹ e a Cogestão.

Em unidades onde o Policial Penal atua como facilitador de programas de ressocialização, como o Método APAC, os índices de reincidência caem drasticamente para menos de 15%. Nestes locais, o policial fiscaliza com rigor, mas incentiva o trabalho e o estudo. O resultado é um ambiente de trabalho mais seguro para o próprio servidor, com baixíssimo índice de motins e agressões.

Caso B: A Falha da Custódia Punitivista (O Exemplo de Rebeliões)

Considere o caso de unidades prisionais que, historicamente, negligenciaram a assistência prevista na LEP em favor de um regime de "tranca" ininterrupta e negação de banho de sol. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que a falta de perspectivas de ressocialização é o principal estopim para rebeliões violentas. O policial "carcereiro" que acredita estar sendo "duro com o crime" ao negar direitos básicos, na verdade, está colocando a sua própria vida e a de seus colegas em risco ao transformar a unidade em um barril de pólvora.

A Ressocialização como Estratégia de Segurança Pública

É fundamental que o Policial Penal entenda que a ressocialização não é um "favor" ao preso, mas uma estratégia de defesa social. Cerca de 95% da população carcerária retornará às ruas em algum momento. A pergunta que o profissional deve se fazer é: quem retornará para o meu bairro? Alguém que aprendeu uma profissão e foi tratado com dignidade legal, ou alguém que foi brutalizado por anos?

A segurança pública não termina na porta do presídio; ela começa lá. O policial que facilita a educação (Art. 17 a 21 da LEP) está combatendo o crime de forma muito mais eficaz do que aquele que se limita a bater grades.

O Perfil Profissional do Policial Penal em 2025

A modernização do sistema exige competências que o antigo carcereiro não possui:

Inteligência Emocional: Para lidar com a pressão sem recorrer à violência desnecessária.

Conhecimento Técnico-Jurídico: Saber citar a LEP para fundamentar uma decisão, garantindo o direito do preso sem ceder à indisciplina

Visão Humanista: Entender que a dignidade humana é irrenunciável, conforme a Constituição Federal.

Aqueles que insistem em manter condutas de desrespeito, truculência injustificada ou negação de assistência encontram-se hoje sob o rigor das Corregedorias e do Sistema de Justiça. A SAP não comporta mais o amadorismo da vingança privada disfarçada de função pública.

A transição do "carcereiro" para o "Policial Penal" é um caminho sem volta. A ressocialização é o coração da execução penal e o único caminho sustentável para a redução da criminalidade. Este Manual Jurídico serve como um lembrete: ser Policial Penal é ser um agente da lei, e a lei manda reintegrar.

O modelo "carcereiro" focado apenas no castigo cria vácuos de assistência. Onde o Estado não oferece assistência material, jurídica e social, o crime organizado entra para suprir. O policial que nega um direito básico ao preso está, indiretamente, empurrando este indivíduo para os braços das facções criminosas.

Em 2017, o Rio Grande do Norte viveu uma das maiores tragédias carcerárias em Alcaçuz. Investigações posteriores demonstraram que o total abandono dos processos de ressocialização e a mentalidade de "apenas trancar" permitiram que o Estado perdesse o controle total dos pavilhões para o crime organizado. O modelo de "carcereiro" faliu, resultando em mortes brutais e um custo bilionário para a retomada da ordem.

O Risco à Integridade do Servidor: Unidades prisionais onde impera a mentalidade de repressão cega são estatisticamente mais propensas a rebeliões violentas. O policial penal moderno usa a ressocialização como ferramenta de inteligência e segurança. Um ambiente onde o preso estuda e trabalha é um ambiente de baixa tensão, reduzindo o risco de morte e agressão contra o próprio policial.

O Estado de Coisas Inconstitucional: O Supremo Tribunal Federal (STF), na ADPF 347, reconheceu que o sistema prisional brasileiro vive um "Estado de Coisas Inconstitucional". O policial que mantém práticas retrógradas está alimentando essa ilegalidade, sujeitando o Estado a sanções internacionais e processos de indenização que recaem sobre o erário.

O profissional que abraça essa missão protege a sociedade, valoriza sua carreira e honra a farda que veste. O pensamento retrógrado, por outro lado, é um fardo que o Estado brasileiro não pode mais carregar. A excelência no serviço penal em 2025 é medida pela capacidade de transformar o cárcere em um espaço de justiça, disciplina e, sobretudo, de novas oportunidades.

Não há mais lugar na estrutura do Estado para o profissional que se orgulha de ser um "carrasco". A modernização tecnológica (monitoramento eletrônico, biometria, scanners corporais) e jurídica do sistema penitenciário exige um Policial Penal que seja um intelectual da segurança pública.

O policial que agride, que humilha ou que sabota os processos educacionais dentro do presídio é um agente de insegurança. Ele é um corpo estranho na Secretaria de Administração Penitenciária, pois sua conduta gera reincidência, gera ódio e gera despesas para o contribuinte.

A segunda edição deste Manual Jurídico reafirma: ser Policial Penal é entender que a arma mais poderosa contra o crime organizado não é o fuzil na muralha, mas o livro e a ferramenta de trabalho dentro da cela. A ressocialização é a nossa missão constitucional. Quem não compreende isso, já foi deixado para trás pela história.

¹ O Método APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) é uma metodologia inovadora para a execução penal no Brasil, focada na humanização do sistema prisional e na ressocialização, onde o condenado (recuperando) assume a responsabilidade por sua recuperação, com base em 12 elementos, incluindo trabalho, estudo, religião, participação da comunidade e ajuda mútua, com o objetivo de reduzir a reincidência criminal através da disciplina, autoconfiança e responsabilidade, substituindo a lógica punitiva por uma construtiva, com apoio do judiciário e da sociedade civil. 

Como funciona:

  • Entidade Civil: A APAC é uma entidade privada, sem fins lucrativos, que auxilia o Estado na execução da pena.

  • Autonomia: Cada APAC é autônoma e gerida de forma independente, mas seguindo os princípios do método.

  • Recuperando Ativo: O preso não é um passivo, mas um agente ativo, que se ajuda e ajuda outros (ajuda mútua).

  • Disciplina e Regras: O detento segue regras rígidas, participa de atividades diárias e não tem o ócio como opção, aprendendo disciplina e autodisciplina. 

Os 12 Elementos do Método:

  1. Participação da Comunidade: A sociedade civil é fundamental.
  2. Ajuda Mútua: Recuperando ajudando recuperando (mutirão).
  3. Trabalho: Atividades laborais para desenvolver responsabilidade.
  4. Espiritualidade: Valorização da fé e valores morais (Jornada de Libertação com Cristo).
  5. Assistência Jurídica: Acompanhamento legal.
  6. Assistência à Saúde: Cuidado com o bem-estar físico e mental.
  7. Valorização Humana: Respeito e dignidade ao recuperando.
  8. Família: Fortalecimento dos laços familiares.
  9. Formação de Voluntários: Criação de uma rede de apoio.
  10. Centros de Reintegração Social (CRS): Locais adaptados para diferentes regimes.
  11. Observação do Comportamento: Avaliação para progressão de regime.
  12. Jornada de Libertação com Cristo: Palestras, meditações e testemunhos. 

Objetivos e Resultados:

  • Humanização: Condições dignas de cumprimento de pena.
  • Reintegração Social: Preparar o indivíduo para retornar à sociedade.
  • Redução da Reincidência: Evitar que o egresso volte a cometer crimes. 

O Método APAC, criado por Mário Ottoboni em 1972, é uma referência nacional e internacional, atuando como uma alternativa eficaz para a crise no sistema prisional, focado na recuperação e reintegração.

Edson Moura

 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

A Prisionização do Policial Penal


 


A PRISIONIZAÇÃO DO POLICIAL PENAL: UMA ANÁLISE JURÍDICA E PSICOSSOCIAL À LUZ DA LEP E DAS REGRAS DE MANDELA

O Cárcere como Instituição Total

No âmbito do Direito Penitenciário, a execução da pena não deve ser entendida apenas como a restrição ambulatorial do sentenciado, mas como a gestão de um ecossistema complexo onde o Estado exerce soberania. Entretanto, o que a prática revela — e este Manual busca diagnosticar — é o fenômeno da prisionização. Embora a literatura clássica de Donald Clemmer foque no detento, o Policial Penal, enquanto agente garantidor, é o "sentenciado sem crime", submetido a um processo de aculturação que compromete sua integridade psíquica e sua higidez jurídica.

Para o Policial Penal, a prisionização não é uma escolha, mas uma patologia ocupacional derivada da convivência em uma Instituição Total (Goffman). Juridicamente, o Estado falha ao não prever mecanismos de "descompressão", permitindo que o servidor absorva a subcultura criminal como mecanismo de sobrevivência 

O "Pajubá" e a Identidade Funcional

A prisionização manifesta-se, primeiramente, na comunicação. O Policial Penal, para gerir o conflito, acaba adotando o código linguístico do custodiado. Quando o servidor utiliza termos como "xeque" (o líder da cela), "jega" (a cama de cimento), ou identifica um "talco" (fuga) ou um "boi" (privada), ele está operando em uma zona cinzenta de assimilação cultural.

O uso de gírias como "caminhar no trilho" (cumprir as regras internas da massa) ou "catar um boi" (obter uma vantagem indevida) não é apenas semântico; ele altera a percepção jurídica do agente. No tribunal da consciência e nas sindicâncias administrativas, a adoção dessa linguagem pode ser o primeiro passo para a perda do distanciamento emocional necessário à impessoalidade administrativa (Art. 37, CF/88). O policial que fala como o preso, muitas vezes, passa a enxergar o mundo através da mesma ótica de exclusão e suspeição generalizada.

O Vácuo Estatal e a Lei de Execução Penal (LEP)

A Lei nº 7.210/84 (LEP) é um monumento legislativo de intenções humanitárias, mas sua ineficácia prática é o principal combustível da prisionização do servidor. O Art. 1º da LEP estabelece como objetivo "proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado". Contudo, o Estado negligencia o meio pelo qual isso ocorre: o Policial Penal.

A Ausência de Assistência ao Servidor

Enquanto a LEP prevê assistências material, à saúde, jurídica e educacional ao preso (Arts. 10 a 21), o Estado é omisso em fornecer o mesmo amparo ao policial que viabiliza esses direitos. A falta de efetivo gera o que chamamos de "vácuo de poder". Quando o Estado não ocupa o espaço físico com servidores em número suficiente e com saúde mental preservada, as facções criminosas preenchem essa lacuna. O policial, sentindo-se desamparado pela cúpula administrativa, entra em "modo de sobrevivência", o que acelera seu endurecimento emocional.

O Desvio de Função como Gatilho

A não implementação das diretrizes da LEP força o policial a ser psicólogo, assistente social e médico improvisado. Essa sobrecarga, sem o devido preparo jurídico-psicológico, gera o sentimento de que ele é um "escravo do sistema". Juridicamente, isso fere o princípio da dignidade da pessoa humana, estendido ao trabalhador, e o dever de segurança no trabalho.

O Descumprimento das Normas de Mandela

As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela), em sua versão revisada de 2015, são claras ao tratar do pessoal penitenciário. A Regra 74 afirma que "a administração prisional deve prover uma organização e um estatuto adequados para o pessoal, com vista a recrutar e reter homens e mulheres de integridade, humanidade e competência profissional".

No Brasil, a realidade é o oposto:

 

A Regra 75 exige treinamento contínuo antes e durante a função. A ausência desse treinamento focado em inteligência emocional faz com que o policial recorra ao uso da força ou ao autoritarismo excessivo como única linguagem entendida no "pavilhão", um sintoma clássico de prisionização.

    A Regra 77 destaca a necessidade de os servidores terem acesso a serviços de apoio para lidar com o estresse da profissão. A inexistência de programas de saúde mental robustos faz com que o policial leve o "clima de cadeia" para dentro de casa.

 


O Fenômeno da Hipervigilância e a Vida Extramuros

O efeito jurídico da prisionização estende-se à vida privada. O policial penal prisionizado vive em estado de alerta paranoide. Ao sair do plantão, ele não consegue "baixar a guarda". Ele monitora saídas em restaurantes, evita sentar de costas para a porta e desconfia de qualquer interação social.

Do ponto de vista do Direito de Família, esse comportamento frequentemente resulta em divórcios e alienação parental. O servidor passa a tratar os filhos como se estivesse dando ordens no "pátio de sol" e a esposa como alguém que está tentando "atravessar" (enganar) sua autoridade. O Estado, ao não fornecer mecanismos de desprisionização, torna-se corresponsável pela destruição dos núcleos familiares de seus agentes.

A Falência do Modelo Punitivista e o "Ceticismo Jurídico"

O policial prisionizado desenvolve um profundo ceticismo em relação ao sistema de justiça. Ao ver o "entra e sai" de detentos devido a audiências de custódia ou progressões de regime que ele considera injustas, o agente passa a descrer na eficácia da norma. Esse descrédito jurídico é perigoso: ele pode levar à prevaricação por desânimo ou ao excesso por frustração.

Quando o policial sente que o Estado protege o "ladrão" (termo genérico usado no sistema para designar o preso) e ignora o servidor, ocorre uma ruptura do pacto de lealdade institucional. O servidor passa a agir apenas para não ser punido pela Corregedoria, e não por acreditar na ressocialização.

Consequências Médicas e a Responsabilidade Civil do Estado

A prisionização é a antessala da Síndrome de Burnout e do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). O cérebro, condicionado a responder apenas a estímulos de ameaça, atrofia áreas ligadas à empatia e ao relaxamento.

Juridicamente, existe aqui o dever de indenizar. O Estado que confina seu servidor em ambientes insalubres (físicos e mentais) sem o devido suporte de EPIs psicológicos comete um ilícito por omissão. O Policial Penal que se torna um "robô do sistema", incapaz de sentir alegria ou relaxar, é uma vítima de um acidente de trabalho de duração continuada.

Propostas de Superação no Manual Jurídico

Para mitigar a prisionização, este Manual propõe uma nova hermenêutica da execução penal:

 

Implementação do Art. 1º da LEP para o Servidor: Entender que a integração social começa pelo garantidor do sistema. Sem um policial saudável, não há ressocialização do preso.

Quarentena Psicológica Obrigatória: Instituir períodos de afastamento das carceragens para atividades administrativas ou de formação, quebrando o ciclo de exposição ao ambiente hostil.

Humanização das Unidades (Regra 5 de Mandela): Ambientes com mais luz natural, menor poluição sonora e melhor infraestrutura não servem apenas ao preso, mas evitam que o policial se sinta "enterrado vivo".

Criação de Centros de Atenção Psicossocial Exclusivos: Onde o policial possa falar sobre a "tranca", o "corre" e a "pressão" sem o medo de ser julgado ou punido administrativamente.

A prisionização é a maior ameaça à carreira do Policial Penal moderno. Ela é o resultado de um Estado que se faz presente pela punição, mas se ausenta na assistência. Ao ignorar as diretrizes da LEP e as Regras de Mandela para seus próprios servidores, o Brasil cria um exército de homens e mulheres mentalmente encarcerados.

Este Manual Jurídico do Policial Penal reafirma: a segurança pública não se faz apenas com armas e algemas, mas com a preservação da humanidade de quem as porta. Combater a prisionização é um ato de resistência jurídica e de valorização da vida de quem dedica seus dias a vigiar a escuridão para que a sociedade possa dormir em paz. O Policial Penal não pode ser a próxima vítima do sistema que ele mesmo opera.

Edson Moura

A Lei de Abuso de autoridade na atividade do Policial Penal


 Introdução e Contexto Histórico


A Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, surgiu para substituir a vetusta Lei nº 4.898/1965, trazendo um novo paradigma para a responsabilização de agentes públicos. No contexto da Polícia Penal — carreira constitucionalizada pela Emenda 104/2019 —, a compreensão desta norma é imperativa, dado que o ambiente prisional é, por natureza, um local de constante tensão entre o poder de império do Estado e a preservação dos direitos fundamentais da pessoa privada de liberdade.

Definição e Sujeitos do Delito

O artigo 2º da Lei é claro ao definir que o sujeito ativo do crime de abuso de autoridade é qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional.

Para o Policial Penal, o enquadramento é direto. Seja o policial efetivo, o comissionado ou mesmo o contratado temporariamente, todos estão sob a égide desta lei. O bem jurídico tutelado aqui é duplo: a Administração Pública (seu prestígio e probidade) e os direitos fundamentais do cidadão (custodiado ou visitante).

O Elemento Subjetivo Especial: O "Dolo Específico"

Este é o ponto mais importante para a defesa técnica do Policial Penal. A Lei 13.869/2019 não admite a modalidade culposa (negligência, imprudência ou imperícia). Para que haja crime, o agente deve agir com a finalidade específica de:

1- Prejudicar outrem;

2 -Beneficiar a si mesmo ou a terceiro;

3 -Por mero capricho ou satisfação pessoal; 

A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade (Art. 1º, § 2º). Isso protege a discricionariedade técnica do policial em situações de crise no sistema prisional.

Tipos Penais em Espécie no Sistema Prisional

O Policial Penal deve ter atenção redobrada aos seguintes artigos que tangenciam o cotidiano das unidades prisionais:

1 - Condução e Identificação (Art. 13 e 16)

É crime constranger o preso, mediante violência ou grave ameaça, a exibir-se à curiosidade pública ou a submeter-se a situação vexatória. No ambiente penal, o uso de algemas deve ser sempre justificado por escrito, seguindo a Súmula Vinculante nº 11 do STF, para evitar o enquadramento no Art. 13.

2 - O Interrogatório e o Direito ao Silêncio (Art. 15)

Prosseguir com o interrogatório de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio ou que tenha optado pela assistência de advogado é crime. No âmbito de Processos Administrativos Disciplinares (PADs) internos, o Policial Penal deve respeitar estritamente estas garantias.

3 - O Ingresso em Domicílio (Art. 22)



Embora o Policial Penal atue majoritariamente dentro das unidades, em casos de monitoramento eletrônico (tornozeleiras) ou buscas em áreas externas, o ingresso em residência sem determinação judicial ou fora das exceções constitucionais (flagrante delito, desastre ou socorro) configura abuso grave.

4 - Omissão e Prorrogação de Prisão (Art. 12)

Deixar de cumprir alvará de soltura imediatamente ou manter a custódia sem fundamentação legal é uma das condutas mais fiscalizadas pelos Conselhos de Comunidade e Defensorias Públicas.

 Consequências da Condenação

A condenação por abuso de auto
ridade não gera apenas penas restritivas de liberdade (detenção). As consequências secundárias são severas para a carreira:

Esfera Administrativa: A lei prevê a suspensão do exercício do cargo por 1 a 6 meses, com perda de vencimentos.

Esfera Cível: Obrigação de indenizar o dano causado (o juiz fixará o valor mínimo).

Esfera Funcional: A perda do cargo é possível em caso de reincidência específica, não sendo automática (deve ser motivada pelo juiz na sentença).

Limites da Atuação: O Uso Legítimo da Força

A lei não veio para "engessar" a polícia. O limite da atuação do Policial Penal encontra-se no Estrito Cumprimento do Dever Legal e na Legítima Defesa.

O uso da força para conter motins, rebeliões ou tentativas de fuga, desde que proporcional e pautado nos manuais de intervenção tática, não configura abuso. O abuso começa onde termina a necessidade e a legalidade da medida.

Conclusão: A Ética como Escudo

O Policial Penal que segue os Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) de sua instituição está tecnicamente protegido. A Lei de Abuso de Autoridade deve ser vista como um manual de ética profissional: ela pune o agente desvirtuado, mas preserva o profissional que atua dentro da técnica e do respeito à dignidade humana.

O conhecimento jurídico é a arma mais potente do Policial Penal moderno. Atuar com legalidade é garantir que o Estado de Direito prevaleça e que sua carreira permaneça ilibada.

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Edson Moura