segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Convocação Compulsória para Blitz em Unidade Prisional

 

De acordo com a Constituição de 1988, a convocação de um servidor (incluindo o policial penal) para trabalhar em sua folga sem qualquer tipo de retribuição é uma questão complexa que depende do regime jurídico e de decisões judiciais recentes.

A resposta curta é: sim, é provavelmente ilegal não haver algum tipo de contrapartida, mas o tipo de contrapartida (pecuniária, banco de horas, ou já inclusa no subsídio) varia.

O que diz a Constituição de 88?

A Constituição Federal (CF/88) estende aos servidores públicos diversos direitos sociais dos trabalhadores, previstos no Artigo 7º, através do Artigo 39, § 3º. Dentre esses direitos, destacam-se:

 


Jornada de trabalho:

Limite de jornada (embora a lei estadual possa definir a específica para a categoria).

Remuneração do trabalho noturno e extraordinário:

A CF/88 garante o direito à remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à da hora normal.

Repouso semanal remunerado:

Direito a descanso, que, se trabalhado, deve ser pago em dobro ou compensado.

A essência da Constituição é que o trabalho prestado além da jornada regular deve ser pago a mais (como hora extra) ou compensado (com folga em banco de horas).

Trabalhar de graça compulsoriamente em um dia de folga não remunerada contraria esses princípios.

Conflito com a Lei 1416/24 e 10261/68

As leis estaduais (Lei 10.261/68 e a recente Lei Complementar 1.416/24) devem estar em conformidade com a Constituição Federal.

 

Lei 10.261/68 (Estatuto):

Historicamente, estatutos de servidores públicos previam o pagamento de horas extras ou a compensação de jornada para o trabalho que excedesse o limite legal.

 

Lei 1416/24 (Lei Orgânica da Polícia Penal):

Esta lei instituiu o regime de subsídio para a Polícia Penal.

No regime de subsídio, a remuneração é uma parcela única, e a premissa é que ela já remunera todas as atribuições do cargo e a dedicação integral, o que pode incluir certa flexibilidade de jornada.

 

Ponto Crucial (Jurisprudência do STF):

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem se posicionado no sentido de que, mesmo para servidores remunerados por subsídio, o direito à retribuição por horas extras que ultrapassem a jornada normal é devido, caso não haja compensação.

 Se a convocação na folga extrapolar o limite MÁXIMO semanal/mensal de horas de trabalho previsto em lei, isso gera o direito à hora extra remunerada (ou, em tese, a uma folga compensatória, se a legislação específica permitir e o servidor puder usufruir).

Uma convocação compulsória e sem nenhuma contrapartida (nem pecuniária, nem banco de horas) tende a ser vista como ilegal por ferir o direito à justa remuneração pelo trabalho e ao descanso.

 

Auxílio Transporte e Alimentação

 

Quanto ao auxílio-transporte e alimentação, estes são, via de regra, direitos ligados aos dias efetivamente trabalhados, e a sua concessão depende do que está previsto na legislação estadual específica (decretos, leis).

Se o servidor é convocado em um dia que normalmente estaria de folga, ele deve ter acesso a esses benefícios se forem devidos pela presença física e pelo custo gerado.

 

Conclusão

A convocação obrigatória para trabalhar na folga sem qualquer forma de compensação (seja pagamento de hora extra com adicional mínimo de 50%, seja inclusão em um banco de horas para folga futura) conflita com os princípios constitucionais de remuneração justa pelo trabalho extraordinário.

A Lei 1416/24, ao adotar o subsídio, não afasta automaticamente o direito a horas extras se a jornada máxima for excedida.

A administração pública tem a prerrogativa de convocar por necessidade do serviço, mas deve, em contrapartida, remunerar ou compensar o servidor.

"Manual Jurídico do Policial Penal" por Edson Moura

Hierarquia e Disciplina na Polícia Penal

 

Hierarquia e Disciplina na Polícia Penal: O Alicerce da Instituição e o Regime Disciplinar Aplicável aos Servidores

A Emenda Constitucional (EC) nº 104/2019, ao incluir a Polícia Penal no seleto rol de órgãos de segurança pública previstos no Artigo 144 da Constituição Federal, não apenas conferiu reconhecimento e status à categoria, mas também a inseriu em um regime jurídico peculiar e mais rigoroso, típico das forças de segurança.

A base que sustenta o funcionamento de qualquer instituição policial é o binômio hierarquia e disciplina. Esses princípios são a espinha dorsal que garante a coesão, a obediência à cadeia de comando e a eficiência na resposta a crises, que são inerentes ao ambiente prisional.

Este capítulo do Manual Jurídico do Policial Penal tem como objetivo dissecar o conceito de hierarquia e disciplina no contexto da Polícia Penal e, fundamentalmente, analisar o arcabouço normativo que rege o regime disciplinar dos servidores — o Regulamento Disciplinar —, bem como abordar a possibilidade, ou não, da aplicação de um "Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)" ou equivalente para policiais penais que cometem faltas graves.


1. O Princípio da Hierarquia: A Estrutura Vertical de Comando

A hierarquia é a ordenação em níveis de autoridade e subordinação, estabelecendo uma cadeia de comando clara e ininterrupta. No serviço público em geral, a hierarquia existe, mas nas carreiras policiais, ela assume uma importância vital.

1.1. A Cadeia de Comando na Polícia Penal

A estrutura hierárquica da Polícia Penal varia ligeiramente entre os entes federativos, mas geralmente segue uma progressão de cargos, no caso da polícia Penal do estado de são Paulo por exemplo, a carreira de Policial Penal é organizada em níveis e categorias, estabelecendo uma progressão vertical baseada em critérios de desempenho e desenvolvimento. Embora a nomenclatura exata dos postos de comando (como "Inspetor Chefe", "Diretor", "Coordenador") seja atribuída a funções de confiança e gratificações (Gratificação de Gestão Policial Penal - GGPP) dentro da estrutura organizacional da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), a base da carreira é composta por: 

  • Nível: Elemento numérico (ex: Nível I, Nível II) que indica a posição do policial penal na escala de evolução funcional.

  • Categoria: Elemento alfabético (ex: Categoria A, B, C) que indica a posição do policial penal dentro do nível respectivo. 

A progressão entre níveis e categorias ocorre por meio de critérios de evolução funcional e promoção.

. Essa estrutura define:

  • Subordinação: O dever do subordinado de obedecer às ordens legais emanadas de seus superiores.

  • Competência: A delimitação de quem tem o poder de dar ordens e em quais matérias.

O Policial Penal, na base ou no topo da carreira, deve ter clareza sobre a linha de comando. A ordem superior deve ser cumprida, salvo uma exceção fundamental: a ordem manifestamente ilegal.

1.2. A Ordem Ilegal e o Dever de Recusa

A lei penal brasileira (Art. 22 do Código Penal) e os estatutos disciplinares preveem que, se a ordem superior é manifestamente ilegal (ou seja, seu conteúdo é um crime ou uma grave violação de direito), o subordinado não apenas pode, mas deve recusar-se a cumpri-la. O cumprimento de ordem ilegal não exime o subordinado de responsabilidade penal ou administrativa.

Isso exige discernimento jurídico do policial penal, que deve ser capaz de identificar a ilegalidade de uma ordem, como, por exemplo, a determinação de praticar tortura ou de violar os direitos de um custodiado.


2. O Princípio da Disciplina: A Base da Ordem Institucional

A disciplina é o pilar que garante o funcionamento da hierarquia. Ela se traduz na "observância e no acatamento das leis, regulamentos, normas e ordens". A disciplina policial penal é um valor ético e profissional que exige:

  • Prontidão: Estar sempre pronto para o serviço e para a resposta a crises.
  • Regularidade: Cumprir horários, procedimentos e deveres de forma constante e confiável.
  • Comportamento Exemplar: Manter uma conduta ilibada dentro e fora do serviço, digna da função de segurança pública.

A disciplina não é um fim em si mesma, mas um meio para garantir que a missão da Polícia Penal — a segurança dos estabelecimentos e a custódia dos presos — seja cumprida de forma eficaz e uniforme em todo o sistema.


3. O Regulamento Disciplinar dos Servidores: O "RDD do Servidor"

O principal instrumento que materializa a hierarquia e a disciplina é o Regulamento Disciplinar dos Servidores (ou o capítulo disciplinar no Estatuto dos Servidores Públicos local). Ele é o código de conduta que tipifica as transgressões disciplinares e estabelece as penalidades.

3.1. Transgressões Disciplinares: Tipificação e Gravidade

Os regulamentos disciplinares classificam as faltas em leves, médias e graves. Exemplos comuns incluem:

  • Leves: Atrasos, ausências injustificadas de curta duração, falta de urbanidade.
  • Médias: Reincidência em faltas leves, negligência no serviço, uso indevido de bens públicos.
  • Graves: Abandono de cargo, insubordinação grave, corrupção, agressão física a superior ou custodiado, porte de arma irregular, revelação de segredo profissional, embriaguez em serviço, e infrações penais (crimes).

3.2. As Penalidades: Proporcionalidade e Punição

As penalidades aplicáveis seguem a gravidade da falta e a reincidência do servidor:

  • Advertência: Para faltas leves.
  • Suspensão: Para faltas médias e algumas graves (geralmente até 90 dias, com perda de remuneração nos dias de suspensão).
  • Demissão: A pena capital do serviço público, aplicada exclusivamente às faltas graves que quebram a confiança e a moralidade da instituição (ex: corrupção, crime contra a administração pública, inassiduidade habitual, abandono de cargo).

3.3. O Devido Processo Legal (PAD)

A aplicação de qualquer penalidade grave exige a instauração do Processo Administrativo Disciplinar (PAD). O PAD é a garantia do servidor ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. A inobservância do rito legal do PAD pode levar à anulação de toda a punição pela via judicial. A transparência e a legalidade no PAD são essenciais para a legitimidade da disciplina.


4. O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) para Servidores?

O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) é um instituto previsto na Lei de Execução Penal (LEP), Art. 52, aplicado a presos que cometem faltas graves (como liderar rebeliões, praticar crimes na prisão) ou que apresentam alto risco para a segurança pública (membros de facções criminosas). Ele impõe isolamento celular, restrições de visitas e maior rigor na custódia.

A questão que se coloca é: existe um RDD para o policial penal que comete uma falta grave?

4.1. Incompatibilidade Conceitual

A resposta direta é não existe RDD para servidor. O RDD é um regime de cumprimento de pena privativa de liberdade, aplicado a condenados ou presos provisórios. O policial penal é um servidor público, não um detento. Seu regime jurídico é o administrativo-disciplinar, não o penal-executório.

4.2. Medidas Cautelares e o Afastamento Preventivo

No entanto, quando um policial penal comete uma falta grave, especialmente uma que envolva risco à segurança da unidade prisional, à investigação (coação de testemunhas) ou à ordem pública, o direito administrativo prevê medidas cautelares que possuem efeitos práticos similares ao isolamento temporário.

O Estatuto dos Servidores Públicos geralmente prevê o afastamento preventivo ou a suspensão preventiva do servidor.

  • Finalidade: Essas medidas não são punição antecipada. Têm caráter cautelar e visam garantir que o servidor não interfira na apuração dos fatos durante o PAD, ou que não continue a colocar em risco o ambiente de trabalho.
  • Duração: Têm prazo determinado (ex: 60 ou 90 dias, prorrogáveis uma vez) e o servidor, em regra, continua recebendo sua remuneração durante esse período, pois a presunção de inocência administrativa ainda vigora.

4.3. A Questão da Prisão Preventiva

Se a falta grave cometida pelo policial penal configurar, também, um crime grave (ex: tortura, corrupção), a autoridade judicial, a pedido do Ministério Público ou da autoridade policial judiciária (Polícia Civil ou Federal), pode decretar a prisão preventiva do servidor, nos termos do Código de Processo Penal. Nesse caso, ele será recolhido a um estabelecimento prisional específico (sala de Estado Maior ou quartel, se houver previsão legal, ou presídio comum, a depender da legislação local e do status da carreira), onde cumprirá a cautelar processual, não um RDD.

A Rigidez do Regime Policial

A hierarquia e a disciplina são princípios inegociáveis para a Polícia Penal. O Regulamento Disciplinar é a ferramenta que garante a manutenção desses princípios, estabelecendo um regime de deveres mais rígido do que o do servidor público comum.

O Policial Penal deve ter em mente que sua conduta é constantemente avaliada e que as consequências de uma falta disciplinar são severas, podendo culminar na perda do cargo por demissão. Embora o RDD seja exclusivo para a população carcerária, as medidas cautelares de afastamento e a possibilidade de prisão preventiva garantem que o Estado possa agir com a devida rigidez quando um de seus agentes viola o juramento de proteger a sociedade e cumprir a lei.

"Manual Jurídico do Policial Penal" por Edson Moura

 

A Teia Normativa da Atuação Policial Penal

 

A Teia Normativa da Atuação Policial Penal: Estatutos, Códigos e Normativas Internas

A Emenda Constitucional (EC) nº 104/2019 conferiu status constitucional à Polícia Penal, inserindo-a no rol dos órgãos de segurança pública do Artigo 144 da Constituição Federal. No entanto, a regulamentação detalhada da carreira, dos direitos, deveres, e, crucialmente, do modus operandi diário de cada policial penal não se esgota na Carta Magna, nem mesmo na Lei de Execução Penal (LEP - Lei nº 7.210/1984), que é uma norma geral e federal.

A eficácia da atuação do policial penal depende do conhecimento profundo do complexo e hierarquizado conjunto de normas infraconstitucionais editadas no âmbito de cada ente federativo (Estados e Distrito Federal). Esse arcabouço local é composto, primariamente, por três pilares: o Estatuto dos Servidores Públicos local, o Código Penitenciário Estadual específico e as Normativas Internas dos sistemas prisionais (Portarias e Resoluções).

Compreender essa teia normativa é fundamental para o policial penal que busca uma atuação técnica, segura e em conformidade com a legalidade, evitando desvios funcionais e garantindo a validade jurídica de seus atos.


1. O Estatuto dos Servidores Públicos Estaduais: O Regime Jurídico Básico

O Estatuto dos Servidores Públicos Civis de cada Estado ou do Distrito Federal é a lei que estabelece o regime jurídico básico aplicável a todos os funcionários da administração direta, autárquica e fundacional do respectivo ente, incluindo a Polícia Penal.

Embora a EC nº 104/2019 tenha alçado a Polícia Penal a uma carreira policial com prerrogativas específicas, ela permanece, em sua essência e regime jurídico, como uma carreira civil, regida por este estatuto geral, até que uma Lei Orgânica específica da Polícia Penal seja integralmente editada e implementada em cada local.

1.1. Direitos e Vantagens Comuns

O estatuto geral define os pilares da relação de trabalho do servidor com o Estado. Nele estão previstos direitos e vantagens que o policial penal usufrui, como:

  • Jornada de Trabalho: Definição da carga horária semanal e, muitas vezes, as bases para o regime de plantão (ex: 12h de trabalho por 36h de descanso).
  • Férias e Licenças: Normatização de licenças-saúde, licença-maternidade/paternidade, licença-prêmio (onde ainda vigente), e o direito anual a férias remuneradas.
  • Vencimentos e Progressão: A estrutura remuneratória básica, os adicionais por tempo de serviço (quinquênios, anuênios), e as regras gerais de progressão na carreira.
  • Aposentadoria: Embora a EC nº 103/2019 (Reforma da Previdência) tenha estabelecido regras nacionais para policiais, o estatuto local define procedimentos e, em alguns casos, regras transitórias remanescentes.

1.2. Deveres e o Regime Disciplinar Geral

Crucialmente, o estatuto define os deveres de todos os servidores e estabelece o regime disciplinar básico:

  • Deveres: Obediência às ordens superiores (exceto se manifestamente ilegais), assiduidade, pontualidade, urbanidade, lealdade à instituição, entre outros.
  • Penalidades: Tipificação de infrações disciplinares genéricas e as penalidades aplicáveis: advertência, suspensão, demissão, cassação de aposentadoria e disponibilidade.
  • PAD (Processo Administrativo Disciplinar): O rito processual que deve ser seguido para apurar faltas graves e garantir o direito de defesa do servidor.

O policial penal deve conhecer o estatuto para evitar a responsabilização administrativa por atos que, muitas vezes, por desconhecimento, são praticados na rotina de trabalho. A aplicação de uma penalidade disciplinar está diretamente ligada ao que o estatuto prevê.


2. O Código Penitenciário Estadual: O Manual de Operação do Sistema

O Código Penitenciário Estadual é, talvez, a legislação mais específica e diretamente aplicável à atividade-fim do policial penal. Ele é uma lei estadual que regulamenta e complementa a Lei de Execução Penal (LEP) federal, adaptando a execução penal à realidade e à estrutura de cada sistema prisional local.

Enquanto a LEP fornece as bases gerais, o Código Penitenciário Estadual entra nos detalhes operacionais e procedimentais.

2.1. Detalhamento das Faltas Disciplinares e Sanções

Um dos pontos de maior relevância do Código Penitenciário Estadual é o detalhamento do regime disciplinar dos custodiados. A LEP (Art. 50) define as faltas graves em âmbito federal, mas os códigos estaduais frequentemente tipificam as faltas médias e leves, estabelecendo um rol mais completo de condutas proibidas para os presos e as respectivas sanções.

O policial penal utiliza o Código Penitenciário para:

  • Identificação de Faltas: Classificar corretamente uma conduta do preso (ex: "posse de celular é falta grave pela LEP, mas a briga sem lesão corporal é falta média pelo Código Estadual X").
  • Aplicação de Sanções: Conhecer quais sanções podem ser aplicadas (isolamento em cela, suspensão de visitas, etc.) e por quanto tempo.

2.2. Normas de Procedimento e Segurança Intramuros

O Código Penitenciário estabelece procedimentos cruciais para a segurança e a rotina do estabelecimento prisional:

  • Revistas e Vistorias: Regras sobre a periodicidade e a forma de realização de revistas pessoais em presos e visitantes, e vistorias em celas.
  • Visitas: Disciplina as regras de visita social, íntima e de advogados, que são de vital importância para a manutenção do vínculo social do preso, mas também pontos sensíveis de segurança.
  • Assistências (Saúde, Educação, Trabalho): Detalha como as assistências previstas na LEP serão operacionalizadas localmente.
  • Uso da Força e Algemas: Pode conter diretrizes específicas sobre o uso progressivo da força e a aplicação de algemas dentro da unidade prisional, sempre em consonância com a Súmula Vinculante nº 11 do STF.

O policial penal que domina o Código Penitenciário Estadual age com autoridade e legalidade no controle da massa carcerária e na gestão da segurança da unidade.


3. Normativas Internas: Portarias, Resoluções e Ordens de Serviço

No topo da pirâmide está a Constituição Federal, abaixo a LEP e o Código Penitenciário Estadual (leis em sentido formal), e na base, mas com aplicação diária e imediata, estão as normativas internas do próprio órgão gestor do sistema prisional (Secretaria de Administração Penitenciária, por exemplo).

Essas normas (Portarias, Resoluções, Instruções Normativas, Ordens de Serviço, Circulares) são atos administrativos que detalham o "como fazer" em situações específicas e mutáveis. Elas possuem poder de regulamentação interna e são de cumprimento obrigatório para o corpo funcional.

3.1. O "Chão de Fábrica" da Normatização

As normativas internas traduzem a lei em procedimentos operacionais padrão (POPs). Exemplos práticos incluem:

  • Procedimento de Inclusão/Exclusão: Detalhamento da recepção de novos presos, revista corporal, cadastro de dados, entrega de kit de higiene e uniforme.
  • Regras de Movimentação: Como deve ser a escolta interna do preso para o pátio de sol, refeitório, ou atendimento médico.
  • Acautelamento de Bens: Procedimentos para o recebimento e guarda de pertences de presos e visitantes.
  • Uso de Equipamentos: Regras sobre o uso e manutenção de armamentos, body cams (câmeras corporais), e equipamentos de contenção.

3.2. A Importância do Conhecimento: Hierarquia e Legalidade

O policial penal deve seguir as normativas internas, sob pena de responder disciplinarmente por desobediência. No entanto, é fundamental compreender a hierarquia das normas: uma Portaria não pode contrariar a LEP, o Código Penitenciário Estadual ou a Constituição Federal.

Se uma normativa interna determinar um procedimento manifestamente ilegal (ex: uma revista vexatória que viole a dignidade da pessoa humana), o policial penal tem o dever de se opor a ela, ou pelo menos, registrar formalmente o conflito, para resguardar sua responsabilidade. A legalidade sempre prevalece.


Conclusão: A Importância do Manual Jurídico Prático

A atuação do policial penal é uma das mais complexas do serviço público brasileiro, exigindo um equilíbrio constante entre segurança, disciplina e direitos humanos. A EC nº 104/2019 deu o reconhecimento institucional necessário, mas a operação diária é regida por uma densa rede de leis estaduais e normativas internas.

O conhecimento do Estatuto Geral dos Servidores (direitos e deveres da carreira), do Código Penitenciário Estadual (regras do sistema) e das Normativas Internas (procedimentos operacionais) confere ao policial penal a autoridade, a segurança jurídica e a profissionalismo necessários para desempenhar sua função de forma excelente e legal. Este manual serve como bússola para navegar essa complexa teia normativa.

 "Manual Jurídico do Policial Penal" por Edson Moura

A Lei de Execução Penal e o Policial Penal

 

A Lei de Execução Penal (LEP) e a Atuação do Policial Penal: Princípios, Objetivos e Aplicação Prática

A Lei de Execução Penal (LEP), Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, é o diploma normativo que materializa os princípios e garantias constitucionais no âmbito do cumprimento das sanções penais. Ela é a "lei mestra" que rege a vida dentro do sistema prisional e o principal instrumento jurídico de trabalho do policial penal.

Com a Emenda Constitucional nº 104/2019, que inseriu a Polícia Penal no rol dos órgãos de segurança pública (Art. 144, CF), a relevância da LEP para a categoria se intensificou. O policial penal é o agente estatal que opera diretamente a engrenagem da execução penal, garantindo a segurança, mas, fundamentalmente, executando as diretrizes legais que visam a reintegração social do indivíduo.

Este capítulo do manual explora os princípios fundamentais, os objetivos e a aplicação prática da LEP na rotina do policial penal.


1. Princípios Fundamentais da Lei de Execução Penal

A LEP é informada por uma série de princípios que orientam toda a sua aplicação, sendo o mais importante o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1º, III, CF/88), que permeia toda a execução da pena.

1.1. Princípio da Legalidade (Nulla Poena Sine Lege)

A execução penal deve ser conduzida em estrita observância à lei. O Artigo 3º da LEP é claro:

"Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei."

Isso significa que o policial penal não pode impor restrições, sanções ou deveres que não estejam expressamente previstos na LEP ou na legislação correlata. A discricionariedade cede lugar à vinculação legal, garantindo a segurança jurídica tanto para o custodiado quanto para o servidor. A legalidade é a baliza que impede abusos e arbitrariedades.

1.2. Princípio da Individualização da Pena

A Constituição Federal (Art. 5º, XLVI) e a LEP determinam que a pena deve ser individualizada. A execução não é um processo em massa; cada interno possui um histórico, necessidades e um plano de cumprimento de pena específicos (o PIT - Plano Individualizado de Trabalho).

O policial penal, na sua atuação diária, contribui para a individualização ao observar o comportamento do apenado, suas necessidades de saúde, educação, trabalho e sua disciplina. Essas observações são vitais para a progressão de regime, a concessão de benefícios ou a aplicação de sanções disciplinares, que devem ser proporcionais à falta cometida.

1.3. Princípio da Humanidade da Pena

A LEP veda expressamente as penas cruéis (Art. 5º, XLVII, "e", CF). O Artigo 38 da LEP proíbe o emprego de "algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para o parto e durante o trabalho de parto, bem como em recém-nascidos". Mais amplamente, o princípio da humanidade exige que o tratamento dispensado ao preso seja digno, garantindo-lhe condições mínimas de higiene, saúde, alimentação e integridade física e moral.

Para o policial penal, isso se traduz no dever de zelar pela integridade física dos presos, prevenir motins, coibir agressões entre internos e entre internos e servidores, e garantir o acesso aos serviços básicos, sempre com urbanidade e respeito.


2. Objetivos da Lei de Execução Penal

O Artigo 1º da LEP define seus objetivos de forma holística, combinando a punição com a prevenção e a ressocialização:

"A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado."

2.1. Efetivação da Sentença

O primeiro objetivo é garantir que a pena imposta pelo Poder Judiciário seja efetivamente cumprida. Isso implica na custódia segura, na manutenção da ordem e na disciplina dentro do estabelecimento penal. A segurança é o pilar que sustenta todas as demais ações. Sem segurança, não há ressocialização possível.

2.2. Harmônica Integração Social (Ressocialização)

O grande desafio da LEP é a reintegração social. A lei não visa apenas punir, mas preparar o indivíduo para o retorno ao convívio social. A ressocialização se dá através de diversos mecanismos previstos na lei:

  • Trabalho: Dever e direito do preso, é fundamental para a disciplina e a remição da pena (abatimento de dias da pena por dias trabalhados - Art. 126, LEP).
  • Educação: Oferecimento de ensino fundamental, médio e profissionalizante (Art. 17, LEP).
  • Assistência: Material, jurídica, à saúde, social, religiosa e educacional (Art. 11, LEP).

O policial penal, ao garantir o acesso a essas assistências e ao ambiente de trabalho/educação, atua diretamente no objetivo ressocializador da lei.


3. A Aplicação Prática da LEP pelo Policial Penal

A LEP não é um manual de teoria jurídica para juízes e promotores; é, sobretudo, um manual de procedimentos para quem está na linha de frente da custódia.

3.1. Gestão da Disciplina e Comportamento Carcerário

A LEP classifica as faltas disciplinares (leves, médias e graves) nos Artigos 44 a 52. O policial penal é o principal agente na identificação e registro de tais faltas (como a posse de objetos proibidos, a desobediência, a evasão ou a agressão).

A aplicação prática exige do policial penal o conhecimento profundo do Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), garantindo ao preso o direito à defesa e ao contraditório antes de qualquer sanção. A imparcialidade e a legalidade na apuração das faltas são cruciais para a validade do processo e para a manutenção da ordem.

3.2. A Dinâmica da Segurança (Intramuros)

A segurança dos estabelecimentos penais, atribuição constitucional da Polícia Penal, é regida pela LEP. Isso envolve:

  • Revistas: Procedimentos de revista pessoal (humanizados e respeitosos, vedando-se práticas vexatórias), de celas e de visitantes, conforme normas e protocolos internos e a Súmula Vinculante nº 11 do STF (uso de algemas).
  • Custódia e Escolta: Garantir a integridade do preso em movimentações internas, e externas para assistências médicas, audiências judiciais e remoções, utilizando técnicas de contenção e uso progressivo da força quando estritamente necessário.

3.3. Relatórios e Informação Processual

O policial penal é um produtor de informação essencial para o sistema de justiça. Relatórios de ocorrência, anotações de comportamento, registros de trabalho e estudo alimentam o processo de execução penal. É a partir dessas informações que o Juiz da Execução Penal decide sobre benefícios (progressão de regime, livramento condicional) ou regressões.

A acurácia e a objetividade na elaboração desses documentos são deveres do policial penal, que impactam diretamente a liberdade do custodiado.


A Lei de Execução Penal é um instrumento de equilíbrio entre a segurança pública e os direitos fundamentais. Para o policial penal, a LEP é mais do que uma lei; é o guia ético e legal que define sua missão. A atuação do policial penal, agora com status constitucional, deve ser pautada pelo conhecimento técnico da LEP, garantindo que a pena cumpra seu duplo papel: punir o crime cometido e, na medida do possível, reintegrar o indivíduo à sociedade, sempre sob o prisma da legalidade e da dignidade humana.

 "Manual Jurídico do Policial Penal" por Edson Moura

A Policia Penal na Constituição Federal


Qual o necessidade de um "Manual Jurídico" específico para determinada carreira?

 

Pois bem, o Manual Jurídico para o Policial Penal é uma ferramenta crucial, especialmente após a Emenda Constitucional nº 104/2019, que inseriu a Polícia Penal no rol dos órgãos de segurança pública do Brasil, redefinindo o cargo de agente penitenciário.

Sobrevivência Administrativa e Jurídica

A"sobrevivência administrativa" depende diretamente do estrito cumprimento da legalidade em suas ações. Um manual jurídico oferece:

Fundamentação Legal: Ajuda o profissional a basear todas as suas ações, desde o uso da força até procedimentos disciplinares, em leis e normas claras, evitando desvios e responsabilidades civis, penais e administrativas.

Elaboração de Documentação: Orienta sobre a importância da "boa escrita" e da transparência em relatórios e documentos (como boletins de ocorrência e procedimentos), que são vitais para a defesa do policial em caso de contestações judiciais ou processos administrativos.

Prevenção de Ilegalidades: Fornece conhecimento para identificar e evitar práticas que possam ser consideradas abuso de autoridade ou violação dos direitos dos apenados, garantindo a atuação ética e legal.

Plena Consciência da Função nas Forças de Segurança

O manual também é fundamental para consolidar a nova identidade do policial penal como membro das forças de segurança pública, o que envolve:

Reconhecimento Institucional: Esclarece as atribuições, deveres e direitos da carreira, o que contribui para o fortalecimento institucional da Polícia Penal.

Poder de Polícia: Define claramente o poder de polícia do cargo, incluindo a autoridade para realizar prisões em flagrante, no contexto de suas funções e no ambiente prisional, e como proceder nesses casos.

Atuação Integrada: Ajuda a entender o papel da Polícia Penal na integração com outras forças de segurança (como a Polícia Militar e Civil), focando no combate ao crime organizado a partir do sistema prisional, que é um ambiente complexo e de alto risco.

Dignidade Humana e Execução da Pena: Orienta sobre a necessidade de equilibrar a segurança com a execução humanizada da pena, protegendo o preso e, consequentemente, a sociedade civil, conforme os princípios e instrumentos constitucionais e internacionais.

Em suma, esta obra, ao que tudo indica, preenche uma lacuna importante, munindo os policiais penais de conhecimento técnico-jurídico essencial para uma atuação profissional, segura e respaldada pela lei.

"Quer conhecer o povo de um país? Veja como eles tratam seu presos, pois é possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões"

O sistema penitenciário brasileiro enfrenta uma crise humanitária e estrutural de longa data, reconhecida inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como um "Estado de Coisas Inconstitucional" (ECI) na

ADPF nº 347.

Esta crise é multifacetada, marcada por um abismo entre a legislação vigente, como a Lei de Execução Penal (LEP), e a realidade vivenciada nas prisões.

Os problemas mais flagrantes incluem o descumprimento sistemático das normas de padronização, a superlotação crônica, condições insalubres e degradantes, o despreparo de profissionais e a ineficácia dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTPs).

O Abismo entre a Lei de Execução Penal e a Realidade

A Lei nº 7.210/84 (LEP) é um diploma legal avançado que prevê um sistema de execução penal com o objetivo de ressocialização e garantia de direitos. No entanto, seu cumprimento é largamente ignorado pelos Estados brasileiros.

A padronização das unidades prisionais, que deveria garantir condições mínimas de dignidade e segurança, é uma utopia.

A LEP estabelece a separação de presos por sexo, idade, tipo de crime e regime de cumprimento de pena (provisório, fechado, semiaberto, aberto). Contudo, a falta de vagas e a gestão precária resultam na mistura de detentos de diferentes perfis, o que fomenta a violência e o domínio de facções criminosas.

A ausência de uma padronização efetiva transforma cada unidade em um universo à parte, onde as regras são ditadas não pelo Estado, mas pela dinâmica interna do cárcere. O Estado falha em seu dever de garantir a integridade física e moral dos presos, como previsto na Constituição e na própria LEP.

Superlotação: O Epicentro da Crise

 

A superlotação é, talvez, o problema mais visível e o catalisador de outras mazelas. O Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, com um déficit de centenas de milhares de vagas, o que leva a uma ocupação de presídios muito além da capacidade projetada.

Em algumas unidades, a superlotação chega a mais de 100%, com o dobro de presos para o número de vagas existentes.

Essa realidade transforma as prisões em "depósitos humanos". As consequências são devastadoras:

 

    Ambiente Insalubre e Degradante:

 

 A falta de espaço caminha lado a lado com a ausência de condições básicas de higiene e saúde. Instalações sanitárias precárias ou inexistentes, falta de água (às vezes até para banho quente em dias frios), proliferação de doenças (tuberculose, sarna, HIV) e má alimentação são queixas constantes e documentadas por órgãos de direitos humanos e pelo Poder Judiciário.

 

Tais condições são consideradas tratamento desumano, cruel e degradante, vedado pela Constituição Federal e tratados internacionais, como o Pacto de San José da Costa Rica e as Regras de Mandela.

 

    Violação de Direitos e Fomento ao Crime:

 

A superlotação impede a efetivação de programas de trabalho e educação, essenciais para a ressocialização, aumentando a reincidência. A falta de controle estatal cria um terreno fértil para o recrutamento de novos membros por organizações criminosas, que passam a ditar as normas dentro e, muitas vezes, fora dos muros prisionais.

 

Despreparo Profissional e a Necessidade de Capacitação

 

O policial penal, recentemente reconhecido como membro dos órgãos de segurança pública pela EC nº 104/2019, desempenha um papel crucial na manutenção da ordem e na promoção da ressocialização. No entanto, a categoria enfrenta problemas de despreparo, déficit de pessoal e condições de trabalho adversas.

Muitos profissionais não recebem a formação adequada em direitos humanos, mediação de conflitos e saúde mental, focando primariamente na segurança e custódia.

Esse despreparo, somado à tensão constante do ambiente prisional superlotado e perigoso, pode levar a abusos de autoridade e tratamentos inadequados aos presos.

A necessidade de formação contínua, valorização da carreira e um número suficiente de servidores são medidas urgentes para profissionalizar a atuação e garantir que o trabalho seja pautado pela ética e pelo respeito à dignidade humana, como preveem as normas internacionais e a LEP.

Um tema sensível é a Questão dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs)

 

Os HCTPs destinam-se ao cumprimento de medida de segurança por indivíduos inimputáveis ou semi-imputáveis, que cometeram crimes, mas que demandam tratamento psiquiátrico e não pena privativa de liberdade.

A realidade, contudo, mostra que essas instituições estão longe de serem efetivas.

A política de desinstitucionalização da Reforma Psiquiátrica brasileira, embora bem-intencionada, criou um vácuo de assistência.

 

 Muitos HCTPs operam em condições análogas a manicômios tradicionais, com longas internações e violações de direitos. A falta de uma rede de atenção psicossocial substitutiva e eficaz faz com que esses locais se tornem depósitos de pessoas com transtornos mentais, sem o tratamento adequado e o acompanhamento necessário para sua reinserção social.

 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através da Resolução nº 487/2023, determinou o fechamento gradual destas instituições, visando a integração dessas pessoas na rede de saúde mental, um desafio que expõe a ineficácia do modelo anterior.

 

A crise no sistema prisional brasileiro é sistêmica, estrutural e reflexo de décadas de políticas de encarceramento em massa sem o devido investimento em infraestrutura, recursos humanos e políticas de ressocialização.

 

O descumprimento da LEP, a superlotação e as condições desumanas e degradantes não apenas violam direitos fundamentais, mas também perpetuam um ciclo de violência e criminalidade.

 

A inércia do Estado em padronizar as unidades, capacitar profissionais e repensar o modelo de custódia psiquiátrica demonstra uma falha na sua responsabilidade de garantir a dignidade de todos sob sua custódia, tornando a reforma do sistema prisional um desafio coletivo e urgente para toda a sociedade.

 

O servidor público policial penal enfrenta riscos significativos em sua "sobrevivência administrativa" devido à natureza de seu trabalho e ao rigor da Lei de Tortura (Lei nº 9.455/97) e tratados internacionais de Direitos Humanos. Estes riscos decorrem principalmente da responsabilidade pessoal por quaisquer atos que possam ser caracterizados como tortura ou tratamento desumano, e as consequências administrativas e penais severas previstas na legislação.

Principais Riscos Administrativos e Implicações Legais

 

    Perda do Cargo Público: A consequência administrativa mais grave é a perda do cargo, função ou emprego público em caso de condenação por crime de tortura. A lei determina que essa perda é um efeito automático da sentença condenatória, além da interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.

    Processo Administrativo Disciplinar (PAD): A par da responsabilidade criminal, a prática de tortura ou a violação de direitos humanos dos detentos (como superlotação, falta de condições de saúde e higiene, que podem ser consideradas tratamento degradante) sujeita o policial penal a um PAD. O resultado de um PAD pode ser a demissão do serviço público, independentemente do resultado do processo criminal em algumas instâncias, embora a condenação criminal definitiva geralmente vincule a decisão administrativa quanto à autoria e materialidade.

    Responsabilidade por Omissão: A Lei de Tortura pune não apenas quem pratica o ato, mas também quem se omite diante de tais condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorrendo nas mesmas penas (detenção de um a quatro anos). Isso cria um dever de vigilância e denúncia, cuja falha pode levar a sanções administrativas e penais.

    Configuração como Improbidade Administrativa: A prática de tortura pode ser enquadrada como ato de improbidade administrativa, o que acarreta sanções adicionais, como a suspensão dos direitos políticos e multas, além da perda da função pública.

    Compromissos Internacionais: O Brasil é signatário de tratados e convenções internacionais contra a tortura. A atuação do policial penal é regida por esses princípios, e a violação deles pode levar a responsabilizações em nível nacional e, em casos extremos, a denúncias em instâncias internacionais de direitos humanos, o que pressiona as autoridades brasileiras a aplicarem as devidas sanções administrativas e penais aos agentes envolvidos.

    Dever de Zelo pelos Direitos Humanos: O exercício das atribuições da Polícia Penal, por lei, deve zelar pela proteção dos direitos humanos e pela dignidade da pessoa humana. Isso significa que a atuação do servidor deve ser pautada pelo respeito à integridade física e moral do detento, mesmo em condições de trabalho difíceis, o que exige constante atenção para não cruzar a linha tênue para a ilegalidade.

 

Em suma, o policial penal opera em um ambiente de alta pressão e vulnerabilidade, onde as condições estruturais do sistema prisional brasileiro frequentemente desafiam a manutenção dos direitos básicos dos detentos. A lei e os tratados de direitos humanos impõem responsabilidades claras e severas, e qualquer ação ou omissão que viole essas normas pode resultar em sérios prejuízos à sua carreira e "sobrevivência administrativa"

É muito comum no Serviço Público,  nos depararmos com algum companheiro de trabalho reclamando de algum tipo de assédio que vem sofrendo por meio de seus superiores. Acontece que apenas reclamar pelos corredores não adianta.

 

 É preciso, sempre que o servidor Policial Penal se sentir cerceado em algum direito, ou mesmo perceber que está sendo assediado moralmente (perseguido), saber que existem mecanismos dentro da Administração que lhe garantem o  direito de PETIÇÃO, (eu chamo de direito de "esperneio").

 

Esse direito é garantido constitucionalmente, e é amplamente abordado no âmbito do serviço público pela Lei Estadual nº 10.261/68 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo), enquanto a Lei Complementar nº 1.416/24, mais recente, trata especificamente da Polícia Penal e não altera fundamentalmente o direito de petição em si, mas sim a carreira e o regime remuneratório dos envolvidos.

 

Lei Estadual nº 10.261/68 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo)

 

A Lei nº 10.261/68 regula o direito de petição de forma detalhada, garantindo-o a qualquer pessoa, seja cidadão comum ou servidor público, para a defesa de direitos ou contra ilegalidades e abuso de poder.

 

    Universalidade do Direito:

 

 Os artigos 239 e seguintes asseguram a qualquer pessoa, física ou jurídica, o direito de peticionar à Administração Pública, independentemente do pagamento de taxas.

 

    Objeto da Petição:

 

 A petição pode ser utilizada contra ilegalidade ou abuso de poder, bem como para reclamar de abuso, erro, omissão ou conduta incompatível com o serviço público.

 

    Vedação de Recusa:

 

 A Administração Pública não pode recusar o protocolo, encaminhamento ou apreciação de qualquer petição, sob pena de responsabilidade do agente responsável.

 

    Prazos e Procedimentos para Servidores:

 

 Aos servidores, especificamente, é assegurado o direito de requerer, representar, pedir reconsideração e recorrer de decisões. O prazo geral para a interposição desses recursos é de 30 dias, salvo disposição legal específica em contrário.

 

Lei Complementar nº 1.416/24

 

A Lei Complementar nº 1.416, de 26 de setembro de 2024, estabelece a Lei Orgânica da Polícia Penal e institui a carreira de Policial Penal no Estado de São Paulo, definindo o estatuto de seus integrantes.

 

Foco na Carreira:

 

 Esta lei complementar foca primariamente na reestruturação da carreira de Agente de Segurança Penitenciária e Agente de Escolta e Vigilância Penitenciária para a de Policial Penal, mudando, inclusive, o regime de pagamento para subsídio.

 

    Impacto Indireto no Direito de Petição:

 

 Embora a Lei 1.416/24 seja a legislação específica para os Policiais Penais, ela não revoga ou altera as disposições gerais sobre o direito de petição previstas na Lei 10.261/68. Os policiais penais, como servidores públicos estaduais, continuam a exercer o seu direito de petição com base nos princípios e procedimentos estabelecidos pelo estatuto geral e pela Constituição Federal.

 

A nova lei incorpora a categoria ao rol das forças de segurança, mas os mecanismos de defesa administrativa e o direito de petição permanecem regidos pelas normas processuais administrativas existentes.

 

A Lei nº 13.869, de 2019, que define os crimes de abuso de autoridade, impõe uma série de deveres e limites à atuação do policial penal, uma categoria que, por lidar diretamente com pessoas privadas de liberdade, opera em um ambiente de constante tensão e vulnerabilidade legal. O trabalho do policial penal exige o uso da força e da autoridade em certas situações, mas a linha que separa o uso legítimo do abuso é tênue e, muitas vezes, pode ser cruzada inadvertidamente. A lei busca garantir que o poder estatal seja exercido dentro dos limites legais e com a finalidade pública, combatendo o uso arbitrário do poder.

O Elemento Subjetivo e a Dificuldade de Percepção

O ponto central da nova Lei de Abuso de Autoridade que mais impacta a "percepção" do servidor é o elemento subjetivo específico (dolo específico) exigido para a configuração do crime. O Art. 1º, § 1º, estabelece que as condutas só serão crime quando praticadas com a finalidade específica de:

 

    Prejudicar outrem;

    Beneficiar a si mesmo ou a terceiro;

    Ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.

 

Essa exigência de dolo específico é uma salvaguarda para o policial penal que age de boa-fé no estrito cumprimento do dever legal. A divergência na interpretação da lei ou na avaliação de fatos e provas não constitui crime de abuso de autoridade. No entanto, o desafio reside em provar a intenção. Um ato que o policial penal considera necessário para a ordem e disciplina pode ser interpretado por terceiros (detentos, advogados, Ministério Público, juízes) como "mero capricho" ou "satisfação pessoal", especialmente em um ambiente onde a comunicação é difícil e a confiança é baixa.

Situações de Risco Inadvertido

O policial penal pode cometer abuso sem perceber em diversas situações de rotina:

 

    Uso Excessivo da Força: O uso da força é permitido em casos de resistência ou agressão, mas deve ser proporcional e cessar assim que a situação estiver sob controle. O que um policial pode considerar força necessária para conter uma briga, pode ser visto por um observador como agressão desnecessária, especialmente se resultar em lesões graves sem justificativa plausível.

    Constrangimento Vexatório: A lei proíbe submeter o preso a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei, como a exposição pública de sua imagem ou a obrigação de produzir prova contra si mesmo. Um policial penal, em meio a uma revista ou procedimento de segurança, pode inadvertidamente expor um detento a uma situação humilhante, justificando-se por "protocolo", mas que não possui amparo legal expresso.

    Dificultar o Acesso a Direitos: Negar, sem justa causa, o acesso do preso a direitos básicos, como o banho de sol, a assistência médica ou o contato com o advogado, pode configurar abuso. Em um dia de superlotação ou greve, um policial pode atrasar indevidamente o atendimento a um pedido, o que, dependendo da interpretação, pode se enquadrar como abuso.

    Revistas Intimidadoras ou Ilegal: A revista pessoal em detentos e visitantes é uma medida de segurança, mas deve respeitar a dignidade da pessoa. Revistas vexatórias ou invasivas sem base legal clara são passíveis de denúncia.

 

A Necessidade de Formação Contínua

Para evitar incorrer em abuso inadvertido, é crucial que o policial penal receba formação contínua não apenas sobre a Lei de Abuso de Autoridade, mas também sobre os Direitos Humanos, o uso proporcional da força e a ética no serviço público. A atuação do policial penal deve ser guiada pelo princípio da legalidade e da estrita necessidade, sempre buscando a razoabilidade em suas ações.

A Lei nº 13.869/2019 não busca inibir a ação policial legítima, mas sim coibir o desvio de finalidade. O policial penal que age com profissionalismo, documenta suas ações e pauta-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana, mesmo em um ambiente adverso, está mais protegido dos rigores da lei. O risco de "cometer abuso sem perceber" diminui drasticamente quando o agente tem plena consciência de seus deveres, limites e, principalmente, da finalidade pública de sua função, que é a custódia responsável e a ressocialização, e não a punição arbitrária ou o constrangimento. A responsabilidade é grande, e a "sobrevivência administrativa" depende diretamente dessa consciência e retidão profissional.

 

Evolução e Desafios do Sistema Prisional Brasileiro

 

O sistema prisional brasileiro enfrenta uma crise crônica, marcada por problemas estruturais que desafiam os princípios dos direitos humanos e a eficácia da justiça. A superlotação é um dos problemas mais graves, com um déficit de mais de 200 mil vagas em 2025, o que contribui diretamente para condições insalubres e degradantes.

 

As consequências dessa precariedade vão além do desrespeito à dignidade humana dos detentos, resultando em rebeliões, fugas e uma alta taxa de reincidência criminal. O ambiente carcerário, muitas vezes dominado por facções criminosas, facilita a entrada e o consumo de drogas e aparelhos telefônicos, o que compromete a segurança interna e a pública, e mina os esforços de ressocialização.

 

A Lei de Execução Penal (LEP) prevê a execução da pena de forma humanizada, mas a realidade mostra uma falha na aplicação concreta da lei, exigindo intervenção do poder público para fiscalização e monitoramento.

 

A Polícia Penal e o Caminho para o Reconhecimento

 

A criação da Polícia Penal (através da Emenda Constitucional nº 104/2019) representa um marco na tentativa de profissionalizar e valorizar os agentes penitenciários, reconhecendo-os como parte essencial da segurança pública e da execução penal. O papel do policial penal é crucial para garantir a segurança das unidades e, ao mesmo tempo, assegurar a proteção e a dignidade do preso, conforme previsto em lei.

 

No entanto, o pleno reconhecimento da Polícia Penal e a eficácia de suas ações estão intrinsecamente ligados à melhora sistêmica do sistema penitenciário como um todo. O sucesso da instituição depende da superação dos desafios estruturais, incluindo:

 

    Controle efetivo da superlotação, através de políticas públicas eficientes e alternativas penais.

 

    Erradicação do tratamento desumano e degradante, garantindo o respeito aos direitos humanos básicos.

 

    Impedimento rigoroso de itens ilícitos (drogas, celulares) através de segurança aprimorada e tecnologia.

 

    Investimento em programas de ressocialização eficazes, como educação e profissionalização, que preparem os detentos para o retorno à sociedade.

 

Apenas quando o sistema prisional brasileiro evoluir para um modelo que equilibre segurança, humanização e ressocialização — a exemplo de iniciativas como a APAC, que se concentram na recuperação do apenado — o papel da Polícia Penal atingirá seu potencial máximo e obterá o reconhecimento e o prestígio merecidos perante a sociedade e a massa carcerária.

 

 A evolução do sistema é, portanto, condição para a valorização da categoria que por descuido ou mesmo a falta de informação, ainda não percebeu sua relevância para uma sociedade mais evoluída.

 

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A promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 104, em 4 de dezembro de 2019, representa um dos marcos mais significativos na reestruturação da segurança pública e do sistema de justiça criminal brasileiros nas últimas décadas. Ao instituir as Polícias Penais (federal, estaduais e distrital) e inseri-las no rol do Artigo 144 da Constituição Federal de 1988, a emenda não apenas corrigiu uma lacuna histórica, mas também conferiu um novo status institucional e jurídico aos profissionais que atuam na custódia e transporte de pessoas privadas de liberdade e na segurança dos estabelecimentos prisionais.

Este manual jurídico tem como objetivo dissecar, sob a ótica constitucional e da doutrina majoritária, os pilares que sustentam a atuação do policial penal após a EC nº 104/2019: sua natureza jurídica, o arcabouço de direitos e os deveres que permeiam essa carreira essencial.


1. A Natureza Jurídica da Polícia Penal

A principal inovação da EC nº 104/2019 reside na inclusão do inciso VI ao caput do Artigo 144 da Constituição Federal. A partir dessa alteração, o rol de órgãos responsáveis pela segurança pública no Brasil, antes taxativo e restrito às polícias Federal, Rodoviária Federal, Ferroviária Federal, Civis e Militares, foi expandido para incluir as Polícias Penais.

A natureza jurídica da Polícia Penal, portanto, é a de órgão de segurança pública, com status constitucional.

1.1. Inclusão no Rol do Art. 144, CF/88

O Art. 144 da Constituição Federal estabelece que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. A inclusão formal da Polícia Penal neste artigo eleva a atividade de segurança prisional à categoria de atividade policial típica de Estado, reconhecendo sua relevância no contexto da segurança pública global.

Antes da emenda, os agentes penitenciários (Asp’s e AEVP’s) eram, em sua maioria, servidores públicos regidos por estatutos comuns, muitas vezes sem as prerrogativas e o reconhecimento inerentes à atividade policial, o que gerava insegurança jurídica e disparidades funcionais. A EC nº 104/2019 pôs fim a essa indefinição, alçando a categoria a uma posição de maior simetria com as demais forças de segurança.

1.2. Carreira Policial de Natureza Civil

Ainda que equiparada às demais polícias em termos de responsabilidade pela segurança pública, a Polícia Penal mantém sua natureza de carreira civil. A Constituição Federal divide as polícias em civis e militares, cada qual com regimes jurídicos e atribuições distintas.

As polícias penais estaduais e distrital, assim como as polícias civis, subordinam-se aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal. A Polícia Penal Federal subordina-se ao órgão federal competente (atualmente, a Secretaria Nacional de Políticas Penais - SENAPPEN, do Ministério da Justiça e Segurança Pública).

A natureza civil implica, fundamentalmente, na submissão ao regime jurídico civil, o que inclui a vedação à greve (conforme entendimento do STF para servidores policiais civis) e a estruturação em carreira, cujo ingresso se dá, exclusivamente, por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, ou pela transformação dos cargos dos atuais agentes penitenciários.

1.3. Atribuição Principal: Segurança dos Estabelecimentos Penais

O novo § 5º-A do Artigo 144 da CF/88 define a competência primária da Polícia Penal:

"Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencem, cabe a segurança dos estabelecimentos penais."

Essa definição é crucial, pois delimita o campo de atuação principal da instituição. A segurança dos presídios, que antes da emenda por vezes contava com o apoio (ou até mesmo a responsabilidade principal) da Polícia Militar na guarda externa, passa a ser uma atribuição constitucional da Polícia Penal. Isso permite a liberação de policiais militares para suas funções de policiamento ostensivo nas ruas, otimizando o emprego das forças de segurança.


2. Direitos e Prerrogativas do Policial Penal

A inclusão no rol do Art. 144, aliada ao reconhecimento da atividade como sendo de natureza policial, trouxe consigo uma série de direitos e prerrogativas que buscam garantir a eficiência e a dignidade da função.

2.1. Aposentadoria Especial

Um dos direitos mais importantes, decorrente da periculosidade e do desgaste inerentes à atividade policial, é a aposentadoria especial. A Emenda Constitucional nº 103/2019 (Reforma da Previdência), que tramitou em paralelo à EC nº 104, estabeleceu critérios diferenciados para os servidores que exercem atividades de risco, como as carreiras policiais.

Os policiais penais têm direito a critérios de aposentadoria específicos, que geralmente envolvem idade e tempo de contribuição reduzidos em relação à regra geral. Atualmente, os critérios podem ser de 55 anos de idade, 30 anos de contribuição e 25 anos de efetivo exercício em cargo de natureza policial para ambos os sexos, a depender da regulamentação infraconstitucional e da jurisprudência firmada.

2.2. Porte de Arma Institucional e Pessoal

O direito ao porte de arma é uma prerrogativa fundamental da atividade policial. Sendo a Polícia Penal um órgão de segurança pública, seus integrantes possuem, por força de lei (e em conformidade com o Estatuto do Desarmamento, Lei nº 10.826/2003, e suas regulamentações), o direito ao porte de arma de fogo, tanto em serviço quanto fora dele, em razão do risco permanente que a profissão impõe.

2.3. Poder de Polícia e Atuação Fora dos Muros

Embora a competência primária seja a segurança intramuros, a condição de policial penal confere ao agente o pleno "poder de polícia" no exercício de suas funções, o que implica na capacidade de fiscalização, controle, ordenamento e, inclusive, de prisão em flagrante delito.

É importante destacar que, como qualquer cidadão, o policial penal (mesmo de folga) pode prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito, conforme previsto no Artigo 301 do Código de Processo Penal. No entanto, sua condição de autoridade policial confere a ele o dever de agir nessa situação, com as prerrogativas e responsabilidades de um agente da lei.

2.4. Remuneração e Paridade

A EC nº 104/2019 não estabeleceu diretamente os valores remuneratórios, mas abriu caminho para a simetria com outras carreiras policiais. A busca pela paridade e subsídio digno é uma pauta constante da categoria, que reivindica, com fundamento na igualdade de responsabilidades e riscos, remuneração compatível com as demais forças de segurança do Art. 144.


3. Deveres e Responsabilidades do Policial Penal

Junto aos direitos, a Emenda Constitucional e a legislação que a regulamenta impõem deveres rigorosos, alinhados aos princípios que regem a segurança pública: a hierarquia e a disciplina.

3.1. Subordinação e Hierarquia

O policial penal está sujeito a um regime disciplinar rígido, baseado na hierarquia e na disciplina. A subordinação ocorre ao órgão administrador do sistema penal (federal ou estadual), e, em última instância, ao chefe do Poder Executivo (Presidente ou Governador).

3.2. Dedicação Exclusiva e Vedação de Outras Atividades

Muitas leis orgânicas estaduais, que regulamentam a EC nº 104, preveem o regime de dedicação exclusiva para o policial penal. Isso significa a vedação do exercício de qualquer outra atividade remunerada, pública ou privada, com as exceções permitidas pela Constituição Federal para os demais servidores, como o exercício do magistério (aulas e difusão cultural).

3.3. Zelo pela Legalidade e Direitos Humanos

Um dever fundamental do Policial Penal, em consonância com o Artigo 144 da CF/88, é o exercício de suas funções sob a égide dos valores da cidadania e dos direitos humanos. A atuação dentro do sistema prisional exige o equilíbrio entre a manutenção da segurança e a garantia da dignidade da pessoa humana dos custodiados, prevenindo abusos de autoridade e garantindo o devido processo legal na execução das penas. A profissionalização da polícia penal, inclusive, visa garantir uma atuação mais técnica e humanizada.

3.4. Atribuições Detalhadas nas Leis Orgânicas

A EC nº 104/2019 é uma norma constitucional de eficácia limitada em alguns aspectos, necessitando de regulamentação por meio de leis orgânicas federais e estaduais para definir detalhes da estrutura, competências específicas, e o modus operandi da corporação.

Essas leis orgânicas detalham os deveres e proibições, como:

  • A assiduidade e pontualidade.
  • A proibição de faltas injustificadas ao serviço.
  • A vedação de subtrair, extraviar ou danificar documentos ou bens públicos.
  • A proibição de promover paralisações (greve), conforme já mencionado.

A Emenda Constitucional nº 104/2019 transformou a realidade do sistema prisional e da segurança pública no Brasil. A Polícia Penal, agora um órgão constitucional de segurança pública de natureza civil, possui uma missão clara e definida: a segurança dos estabelecimentos penais.

O policial penal, ciente de sua nova natureza jurídica, dos direitos adquiridos (como a aposentadoria especial e o porte de arma) e dos deveres rigorosos que lhe incumbem (hierarquia, disciplina e respeito aos direitos humanos), assume um papel de protagonista na execução da política criminal do Estado. A efetivação plena desses preceitos dependerá, em grande parte, da regulamentação infraconstitucional nos diferentes entes federativos e do compromisso de cada profissional com os valores que regem a Constituição Federal. A dignidade da função policial penal é, hoje, um mandamento constitucional.

"Manual Jurídico do Policial Penal" por Edson Moura