Qual o necessidade de um
"Manual Jurídico" específico para determinada carreira?
Pois bem, o Manual Jurídico para o Policial Penal é uma ferramenta
crucial, especialmente após a Emenda Constitucional nº 104/2019, que inseriu a
Polícia Penal no rol dos órgãos de segurança pública do Brasil, redefinindo o
cargo de agente penitenciário.
Sobrevivência Administrativa e Jurídica
A"sobrevivência administrativa" depende diretamente do estrito
cumprimento da legalidade em suas ações. Um manual jurídico oferece:
Fundamentação Legal: Ajuda o profissional a basear todas as suas ações,
desde o uso da força até procedimentos disciplinares, em leis e normas claras,
evitando desvios e responsabilidades civis, penais e administrativas.
Elaboração de Documentação: Orienta sobre a importância da "boa
escrita" e da transparência em relatórios e documentos (como boletins de
ocorrência e procedimentos), que são vitais para a defesa do policial em caso
de contestações judiciais ou processos administrativos.
Prevenção de Ilegalidades: Fornece conhecimento para identificar e evitar
práticas que possam ser consideradas abuso de autoridade ou violação dos
direitos dos apenados, garantindo a atuação ética e legal.
Plena Consciência da Função nas Forças de Segurança
O manual também é fundamental para consolidar a nova identidade do
policial penal como membro das forças de segurança pública, o que envolve:
Reconhecimento Institucional: Esclarece as atribuições, deveres e
direitos da carreira, o que contribui para o fortalecimento institucional da
Polícia Penal.
Poder de Polícia: Define claramente o poder de polícia do cargo,
incluindo a autoridade para realizar prisões em flagrante, no contexto de suas
funções e no ambiente prisional, e como proceder nesses casos.
Atuação Integrada: Ajuda a entender o papel da Polícia Penal na
integração com outras forças de segurança (como a Polícia Militar e Civil),
focando no combate ao crime organizado a partir do sistema prisional, que é um
ambiente complexo e de alto risco.
Dignidade Humana e Execução da Pena: Orienta sobre a necessidade de
equilibrar a segurança com a execução humanizada da pena, protegendo o preso e,
consequentemente, a sociedade civil, conforme os princípios e instrumentos
constitucionais e internacionais.
Em suma, esta obra, ao que tudo indica, preenche uma lacuna importante,
munindo os policiais penais de conhecimento técnico-jurídico essencial para uma
atuação profissional, segura e respaldada pela lei.
"Quer conhecer o povo de
um país? Veja como eles tratam seu presos, pois é possível julgar o grau de
civilização de uma sociedade visitando suas prisões"
O sistema penitenciário brasileiro enfrenta uma crise humanitária e
estrutural de longa data, reconhecida inclusive pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) como um "Estado de Coisas Inconstitucional" (ECI) na
ADPF nº 347.
Esta crise é multifacetada, marcada por um abismo entre a legislação
vigente, como a Lei de Execução Penal (LEP), e a realidade vivenciada nas
prisões.
Os problemas mais flagrantes incluem o descumprimento sistemático das
normas de padronização, a superlotação crônica, condições insalubres e
degradantes, o despreparo de profissionais e a ineficácia dos hospitais de
custódia e tratamento psiquiátrico (HCTPs).
O Abismo entre a Lei de
Execução Penal e a Realidade
A Lei nº 7.210/84 (LEP) é um diploma legal avançado que prevê um sistema
de execução penal com o objetivo de ressocialização e garantia de direitos. No
entanto, seu cumprimento é largamente ignorado pelos Estados brasileiros.
A padronização das unidades prisionais, que deveria garantir condições
mínimas de dignidade e segurança, é uma utopia.
A LEP estabelece a separação de presos por sexo, idade, tipo de crime e
regime de cumprimento de pena (provisório, fechado, semiaberto, aberto).
Contudo, a falta de vagas e a gestão precária resultam na mistura de detentos
de diferentes perfis, o que fomenta a violência e o domínio de facções
criminosas.
A ausência de uma padronização efetiva transforma cada unidade em um
universo à parte, onde as regras são ditadas não pelo Estado, mas pela dinâmica
interna do cárcere. O Estado falha em seu dever de garantir a integridade
física e moral dos presos, como previsto na Constituição e na própria LEP.
Superlotação: O Epicentro da
Crise
A superlotação é, talvez, o problema mais visível e o catalisador de
outras mazelas. O Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo,
com um déficit de centenas de milhares de vagas, o que leva a uma ocupação de
presídios muito além da capacidade projetada.
Em algumas unidades, a superlotação chega a mais de 100%, com o dobro de
presos para o número de vagas existentes.
Essa realidade transforma as prisões em "depósitos humanos". As
consequências são devastadoras:
Ambiente Insalubre e Degradante:
A falta de espaço caminha lado a
lado com a ausência de condições básicas de higiene e saúde. Instalações
sanitárias precárias ou inexistentes, falta de água (às vezes até para banho
quente em dias frios), proliferação de doenças (tuberculose, sarna, HIV) e má
alimentação são queixas constantes e documentadas por órgãos de direitos
humanos e pelo Poder Judiciário.
Tais condições são consideradas tratamento desumano, cruel e degradante,
vedado pela Constituição Federal e tratados internacionais, como o Pacto de San
José da Costa Rica e as Regras de Mandela.
Violação de Direitos e Fomento ao Crime:
A superlotação impede a efetivação de programas de trabalho e educação,
essenciais para a ressocialização, aumentando a reincidência. A falta de
controle estatal cria um terreno fértil para o recrutamento de novos membros
por organizações criminosas, que passam a ditar as normas dentro e, muitas vezes,
fora dos muros prisionais.
Despreparo Profissional e a
Necessidade de Capacitação
O policial penal, recentemente reconhecido como membro dos órgãos de
segurança pública pela EC nº 104/2019, desempenha um papel crucial na
manutenção da ordem e na promoção da ressocialização. No entanto, a categoria
enfrenta problemas de despreparo, déficit de pessoal e condições de trabalho
adversas.
Muitos profissionais não recebem a formação adequada em direitos humanos,
mediação de conflitos e saúde mental, focando primariamente na segurança e
custódia.
Esse despreparo, somado à tensão constante do ambiente prisional
superlotado e perigoso, pode levar a abusos de autoridade e tratamentos
inadequados aos presos.
A necessidade de formação contínua, valorização da carreira e um número
suficiente de servidores são medidas urgentes para profissionalizar a atuação e
garantir que o trabalho seja pautado pela ética e pelo respeito à dignidade
humana, como preveem as normas internacionais e a LEP.
Um tema sensível é a Questão
dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs)
Os HCTPs destinam-se ao cumprimento de medida de segurança por indivíduos
inimputáveis ou semi-imputáveis, que cometeram crimes, mas que demandam
tratamento psiquiátrico e não pena privativa de liberdade.
A realidade, contudo, mostra que essas instituições estão longe de serem
efetivas.
A política de desinstitucionalização da Reforma Psiquiátrica brasileira,
embora bem-intencionada, criou um vácuo de assistência.
Muitos HCTPs operam em condições
análogas a manicômios tradicionais, com longas internações e violações de
direitos. A falta de uma rede de atenção psicossocial substitutiva e eficaz faz
com que esses locais se tornem depósitos de pessoas com transtornos mentais,
sem o tratamento adequado e o acompanhamento necessário para sua reinserção
social.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através da Resolução nº 487/2023,
determinou o fechamento gradual destas instituições, visando a integração
dessas pessoas na rede de saúde mental, um desafio que expõe a ineficácia do
modelo anterior.
A crise no sistema prisional brasileiro é sistêmica, estrutural e reflexo
de décadas de políticas de encarceramento em massa sem o devido investimento em
infraestrutura, recursos humanos e políticas de ressocialização.
O descumprimento da LEP, a superlotação e as condições desumanas e
degradantes não apenas violam direitos fundamentais, mas também perpetuam um
ciclo de violência e criminalidade.
A inércia do Estado em padronizar as unidades, capacitar profissionais e
repensar o modelo de custódia psiquiátrica demonstra uma falha na sua
responsabilidade de garantir a dignidade de todos sob sua custódia, tornando a
reforma do sistema prisional um desafio coletivo e urgente para toda a
sociedade.
O servidor público policial penal enfrenta riscos significativos em sua
"sobrevivência administrativa" devido à natureza de seu trabalho e ao
rigor da Lei de Tortura (Lei nº 9.455/97) e tratados internacionais de Direitos
Humanos. Estes riscos decorrem principalmente da responsabilidade pessoal por
quaisquer atos que possam ser caracterizados como tortura ou tratamento
desumano, e as consequências administrativas e penais severas previstas na
legislação.
Principais Riscos
Administrativos e Implicações Legais
Perda do Cargo Público: A
consequência administrativa mais grave é a perda do cargo, função ou emprego
público em caso de condenação por crime de tortura. A lei determina que essa
perda é um efeito automático da sentença condenatória, além da interdição para
seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.
Processo Administrativo
Disciplinar (PAD): A par da responsabilidade criminal, a prática de tortura ou
a violação de direitos humanos dos detentos (como superlotação, falta de
condições de saúde e higiene, que podem ser consideradas tratamento degradante)
sujeita o policial penal a um PAD. O resultado de um PAD pode ser a demissão do
serviço público, independentemente do resultado do processo criminal em algumas
instâncias, embora a condenação criminal definitiva geralmente vincule a
decisão administrativa quanto à autoria e materialidade.
Responsabilidade por Omissão: A
Lei de Tortura pune não apenas quem pratica o ato, mas também quem se omite
diante de tais condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las,
incorrendo nas mesmas penas (detenção de um a quatro anos). Isso cria um dever
de vigilância e denúncia, cuja falha pode levar a sanções administrativas e
penais.
Configuração como Improbidade
Administrativa: A prática de tortura pode ser enquadrada como ato de
improbidade administrativa, o que acarreta sanções adicionais, como a suspensão
dos direitos políticos e multas, além da perda da função pública.
Compromissos Internacionais: O
Brasil é signatário de tratados e convenções internacionais contra a tortura. A
atuação do policial penal é regida por esses princípios, e a violação deles
pode levar a responsabilizações em nível nacional e, em casos extremos, a
denúncias em instâncias internacionais de direitos humanos, o que pressiona as
autoridades brasileiras a aplicarem as devidas sanções administrativas e penais
aos agentes envolvidos.
Dever de Zelo pelos Direitos
Humanos: O exercício das atribuições da Polícia Penal, por lei, deve zelar pela
proteção dos direitos humanos e pela dignidade da pessoa humana. Isso significa
que a atuação do servidor deve ser pautada pelo respeito à integridade física e
moral do detento, mesmo em condições de trabalho difíceis, o que exige
constante atenção para não cruzar a linha tênue para a ilegalidade.
Em suma, o policial penal opera em um ambiente de alta pressão e
vulnerabilidade, onde as condições estruturais do sistema prisional brasileiro
frequentemente desafiam a manutenção dos direitos básicos dos detentos. A lei e
os tratados de direitos humanos impõem responsabilidades claras e severas, e
qualquer ação ou omissão que viole essas normas pode resultar em sérios
prejuízos à sua carreira e "sobrevivência administrativa"
É muito comum no Serviço Público,
nos depararmos com algum companheiro de trabalho reclamando de algum
tipo de assédio que vem sofrendo por meio de seus superiores. Acontece que
apenas reclamar pelos corredores não adianta.
É preciso, sempre que o servidor
Policial Penal se sentir cerceado em algum direito, ou mesmo perceber que está
sendo assediado moralmente (perseguido), saber que existem mecanismos dentro da
Administração que lhe garantem o direito
de PETIÇÃO, (eu chamo de direito de "esperneio").
Esse direito é garantido constitucionalmente, e é amplamente abordado no
âmbito do serviço público pela Lei Estadual nº 10.261/68 (Estatuto dos
Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo), enquanto a Lei
Complementar nº 1.416/24, mais recente, trata especificamente da Polícia Penal
e não altera fundamentalmente o direito de petição em si, mas sim a carreira e
o regime remuneratório dos envolvidos.
Lei Estadual nº 10.261/68 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do
Estado de São Paulo)
A Lei nº 10.261/68 regula o direito de petição de forma detalhada,
garantindo-o a qualquer pessoa, seja cidadão comum ou servidor público, para a
defesa de direitos ou contra ilegalidades e abuso de poder.
Universalidade do Direito:
Os artigos 239 e seguintes
asseguram a qualquer pessoa, física ou jurídica, o direito de peticionar à
Administração Pública, independentemente do pagamento de taxas.
Objeto da Petição:
A petição pode ser utilizada
contra ilegalidade ou abuso de poder, bem como para reclamar de abuso, erro,
omissão ou conduta incompatível com o serviço público.
Vedação de Recusa:
A Administração Pública não pode
recusar o protocolo, encaminhamento ou apreciação de qualquer petição, sob pena
de responsabilidade do agente responsável.
Prazos e Procedimentos para
Servidores:
Aos servidores, especificamente, é
assegurado o direito de requerer, representar, pedir reconsideração e recorrer
de decisões. O prazo geral para a interposição desses recursos é de 30 dias,
salvo disposição legal específica em contrário.
Lei Complementar nº 1.416/24
A Lei Complementar nº 1.416, de 26 de setembro de 2024, estabelece a Lei
Orgânica da Polícia Penal e institui a carreira de Policial Penal no Estado de
São Paulo, definindo o estatuto de seus integrantes.
Foco na Carreira:
Esta lei complementar foca
primariamente na reestruturação da carreira de Agente de Segurança
Penitenciária e Agente de Escolta e Vigilância Penitenciária para a de Policial
Penal, mudando, inclusive, o regime de pagamento para subsídio.
Impacto Indireto no Direito de
Petição:
Embora a Lei 1.416/24 seja a
legislação específica para os Policiais Penais, ela não revoga ou altera as
disposições gerais sobre o direito de petição previstas na Lei 10.261/68. Os
policiais penais, como servidores públicos estaduais, continuam a exercer o seu
direito de petição com base nos princípios e procedimentos estabelecidos pelo
estatuto geral e pela Constituição Federal.
A nova lei incorpora a categoria ao rol das forças de segurança, mas os
mecanismos de defesa administrativa e o direito de petição permanecem regidos
pelas normas processuais administrativas existentes.
A Lei nº 13.869, de 2019, que define os crimes de abuso de autoridade,
impõe uma série de deveres e limites à atuação do policial penal, uma categoria
que, por lidar diretamente com pessoas privadas de liberdade, opera em um
ambiente de constante tensão e vulnerabilidade legal. O trabalho do policial
penal exige o uso da força e da autoridade em certas situações, mas a linha que
separa o uso legítimo do abuso é tênue e, muitas vezes, pode ser cruzada
inadvertidamente. A lei busca garantir que o poder estatal seja exercido dentro
dos limites legais e com a finalidade pública, combatendo o uso arbitrário do
poder.
O Elemento Subjetivo e a
Dificuldade de Percepção
O ponto central da nova Lei de Abuso de Autoridade que mais impacta a
"percepção" do servidor é o elemento subjetivo específico (dolo
específico) exigido para a configuração do crime. O Art. 1º, § 1º, estabelece
que as condutas só serão crime quando praticadas com a finalidade específica
de:
Prejudicar outrem;
Beneficiar a si mesmo ou a
terceiro;
Ou, ainda, por mero capricho ou
satisfação pessoal.
Essa exigência de dolo específico é uma salvaguarda para o policial penal
que age de boa-fé no estrito cumprimento do dever legal. A divergência na
interpretação da lei ou na avaliação de fatos e provas não constitui crime de
abuso de autoridade. No entanto, o desafio reside em provar a intenção. Um ato
que o policial penal considera necessário para a ordem e disciplina pode ser
interpretado por terceiros (detentos, advogados, Ministério Público, juízes)
como "mero capricho" ou "satisfação pessoal", especialmente
em um ambiente onde a comunicação é difícil e a confiança é baixa.
Situações de Risco Inadvertido
O policial penal pode cometer abuso sem perceber em diversas situações de
rotina:
Uso Excessivo da Força: O uso
da força é permitido em casos de resistência ou agressão, mas deve ser
proporcional e cessar assim que a situação estiver sob controle. O que um
policial pode considerar força necessária para conter uma briga, pode ser visto
por um observador como agressão desnecessária, especialmente se resultar em
lesões graves sem justificativa plausível.
Constrangimento Vexatório: A
lei proíbe submeter o preso a vexame ou a constrangimento não autorizado em
lei, como a exposição pública de sua imagem ou a obrigação de produzir prova contra
si mesmo. Um policial penal, em meio a uma revista ou procedimento de
segurança, pode inadvertidamente expor um detento a uma situação humilhante,
justificando-se por "protocolo", mas que não possui amparo legal
expresso.
Dificultar o Acesso a Direitos:
Negar, sem justa causa, o acesso do preso a direitos básicos, como o banho de
sol, a assistência médica ou o contato com o advogado, pode configurar abuso.
Em um dia de superlotação ou greve, um policial pode atrasar indevidamente o
atendimento a um pedido, o que, dependendo da interpretação, pode se enquadrar
como abuso.
Revistas Intimidadoras ou
Ilegal: A revista pessoal em detentos e visitantes é uma medida de segurança,
mas deve respeitar a dignidade da pessoa. Revistas vexatórias ou invasivas sem
base legal clara são passíveis de denúncia.
A Necessidade de Formação
Contínua
Para evitar incorrer em abuso inadvertido, é crucial que o policial penal
receba formação contínua não apenas sobre a Lei de Abuso de Autoridade, mas
também sobre os Direitos Humanos, o uso proporcional da força e a ética no
serviço público. A atuação do policial penal deve ser guiada pelo princípio da
legalidade e da estrita necessidade, sempre buscando a razoabilidade em suas
ações.
A Lei nº 13.869/2019 não busca inibir a ação policial legítima, mas sim
coibir o desvio de finalidade. O policial penal que age com profissionalismo,
documenta suas ações e pauta-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana,
mesmo em um ambiente adverso, está mais protegido dos rigores da lei. O risco
de "cometer abuso sem perceber" diminui drasticamente quando o agente
tem plena consciência de seus deveres, limites e, principalmente, da finalidade
pública de sua função, que é a custódia responsável e a ressocialização, e não
a punição arbitrária ou o constrangimento. A responsabilidade é grande, e a
"sobrevivência administrativa" depende diretamente dessa consciência
e retidão profissional.
Evolução e Desafios do Sistema
Prisional Brasileiro
O sistema prisional brasileiro enfrenta uma crise crônica, marcada por
problemas estruturais que desafiam os princípios dos direitos humanos e a
eficácia da justiça. A superlotação é um dos problemas mais graves, com um
déficit de mais de 200 mil vagas em 2025, o que contribui diretamente para condições
insalubres e degradantes.
As consequências dessa precariedade vão além do desrespeito à dignidade
humana dos detentos, resultando em rebeliões, fugas e uma alta taxa de
reincidência criminal. O ambiente carcerário, muitas vezes dominado por facções
criminosas, facilita a entrada e o consumo de drogas e aparelhos telefônicos, o
que compromete a segurança interna e a pública, e mina os esforços de
ressocialização.
A Lei de Execução Penal (LEP) prevê a execução da pena de forma
humanizada, mas a realidade mostra uma falha na aplicação concreta da lei,
exigindo intervenção do poder público para fiscalização e monitoramento.
A Polícia Penal e o Caminho
para o Reconhecimento
A criação da Polícia Penal (através da Emenda Constitucional nº 104/2019)
representa um marco na tentativa de profissionalizar e valorizar os agentes
penitenciários, reconhecendo-os como parte essencial da segurança pública e da
execução penal. O papel do policial penal é crucial para garantir a segurança
das unidades e, ao mesmo tempo, assegurar a proteção e a dignidade do preso,
conforme previsto em lei.
No entanto, o pleno reconhecimento da Polícia Penal e a eficácia de suas
ações estão intrinsecamente ligados à melhora sistêmica do sistema
penitenciário como um todo. O sucesso da instituição depende da superação dos
desafios estruturais, incluindo:
Controle efetivo da
superlotação, através de políticas públicas eficientes e alternativas penais.
Erradicação do tratamento
desumano e degradante, garantindo o respeito aos direitos humanos básicos.
Impedimento rigoroso de itens
ilícitos (drogas, celulares) através de segurança aprimorada e tecnologia.
Investimento em programas de
ressocialização eficazes, como educação e profissionalização, que preparem os
detentos para o retorno à sociedade.
Apenas quando o sistema prisional brasileiro evoluir para um modelo que
equilibre segurança, humanização e ressocialização — a exemplo de iniciativas
como a APAC, que se concentram na recuperação do apenado — o papel da Polícia Penal
atingirá seu potencial máximo e obterá o reconhecimento e o prestígio merecidos
perante a sociedade e a massa carcerária.
A evolução do sistema é, portanto,
condição para a valorização da categoria que por descuido ou mesmo a falta de
informação, ainda não percebeu sua relevância para uma sociedade mais evoluída.
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A promulgação da Emenda
Constitucional (EC) nº 104, em 4 de dezembro de 2019, representa um dos marcos
mais significativos na reestruturação da segurança pública e do sistema de
justiça criminal brasileiros nas últimas décadas. Ao instituir as Polícias
Penais (federal, estaduais e distrital) e inseri-las no rol do Artigo 144 da
Constituição Federal de 1988, a emenda não apenas corrigiu uma lacuna
histórica, mas também conferiu um novo status institucional e
jurídico aos profissionais que atuam na custódia e transporte de pessoas
privadas de liberdade e na segurança dos estabelecimentos prisionais.
Este manual jurídico tem como
objetivo dissecar, sob a ótica constitucional e da doutrina majoritária, os
pilares que sustentam a atuação do policial penal após a EC nº 104/2019: sua
natureza jurídica, o arcabouço de direitos e os deveres que permeiam essa
carreira essencial.
1. A Natureza Jurídica da
Polícia Penal
A principal inovação da EC nº
104/2019 reside na inclusão do inciso VI ao caput do Artigo
144 da Constituição Federal. A partir dessa alteração, o rol de órgãos responsáveis
pela segurança pública no Brasil, antes taxativo e restrito às polícias
Federal, Rodoviária Federal, Ferroviária Federal, Civis e Militares, foi
expandido para incluir as Polícias Penais.
A natureza jurídica da Polícia
Penal, portanto, é a de órgão de segurança pública, com status
constitucional.
1.1. Inclusão no Rol do Art.
144, CF/88
O Art. 144 da Constituição
Federal estabelece que a segurança pública é dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e
da incolumidade das pessoas e do patrimônio. A inclusão formal da Polícia Penal
neste artigo eleva a atividade de segurança prisional à categoria de atividade
policial típica de Estado, reconhecendo sua relevância no contexto da segurança
pública global.
Antes da emenda, os agentes
penitenciários (Asp’s e AEVP’s) eram, em sua maioria, servidores públicos
regidos por estatutos comuns, muitas vezes sem as prerrogativas e o
reconhecimento inerentes à atividade policial, o que gerava insegurança
jurídica e disparidades funcionais. A EC nº 104/2019 pôs fim a essa
indefinição, alçando a categoria a uma posição de maior simetria com as demais
forças de segurança.
1.2. Carreira Policial de
Natureza Civil
Ainda que equiparada às demais
polícias em termos de responsabilidade pela segurança pública, a Polícia Penal
mantém sua natureza de carreira civil. A Constituição Federal
divide as polícias em civis e militares, cada qual com regimes jurídicos e
atribuições distintas.
As polícias penais estaduais e
distrital, assim como as polícias civis, subordinam-se aos Governadores dos
Estados e do Distrito Federal. A Polícia Penal Federal subordina-se ao órgão
federal competente (atualmente, a Secretaria Nacional de Políticas Penais -
SENAPPEN, do Ministério da Justiça e Segurança Pública).
A natureza civil implica,
fundamentalmente, na submissão ao regime jurídico civil, o que inclui a vedação
à greve (conforme entendimento do STF para servidores policiais civis) e a
estruturação em carreira, cujo ingresso se dá, exclusivamente, por meio de
concurso público de provas ou de provas e títulos, ou pela transformação dos
cargos dos atuais agentes penitenciários.
1.3. Atribuição Principal:
Segurança dos Estabelecimentos Penais
O novo § 5º-A do Artigo 144 da
CF/88 define a competência primária da Polícia Penal:
"Às polícias penais,
vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que
pertencem, cabe a segurança dos estabelecimentos penais."
Essa definição é crucial, pois
delimita o campo de atuação principal da instituição. A segurança dos
presídios, que antes da emenda por vezes contava com o apoio (ou até mesmo a
responsabilidade principal) da Polícia Militar na guarda externa, passa a ser
uma atribuição constitucional da Polícia Penal. Isso permite a liberação de
policiais militares para suas funções de policiamento ostensivo nas ruas,
otimizando o emprego das forças de segurança.
2. Direitos e Prerrogativas do
Policial Penal
A inclusão no rol do Art. 144,
aliada ao reconhecimento da atividade como sendo de natureza policial, trouxe
consigo uma série de direitos e prerrogativas que buscam garantir a eficiência
e a dignidade da função.
2.1. Aposentadoria Especial
Um dos direitos mais importantes,
decorrente da periculosidade e do desgaste inerentes à atividade policial, é a
aposentadoria especial. A Emenda Constitucional nº 103/2019 (Reforma da
Previdência), que tramitou em paralelo à EC nº 104, estabeleceu critérios
diferenciados para os servidores que exercem atividades de risco, como as
carreiras policiais.
Os policiais penais têm direito a
critérios de aposentadoria específicos, que geralmente envolvem idade e tempo
de contribuição reduzidos em relação à regra geral. Atualmente, os critérios
podem ser de 55 anos de idade, 30 anos de contribuição e 25 anos de efetivo
exercício em cargo de natureza policial para ambos os sexos, a depender da
regulamentação infraconstitucional e da jurisprudência firmada.
2.2. Porte de Arma
Institucional e Pessoal
O direito ao porte de arma é uma
prerrogativa fundamental da atividade policial. Sendo a Polícia Penal um órgão
de segurança pública, seus integrantes possuem, por força de lei (e em
conformidade com o Estatuto do Desarmamento, Lei nº 10.826/2003, e suas
regulamentações), o direito ao porte de arma de fogo, tanto em serviço quanto
fora dele, em razão do risco permanente que a profissão impõe.
2.3. Poder de Polícia e
Atuação Fora dos Muros
Embora a competência primária
seja a segurança intramuros, a condição de policial penal confere ao agente o
pleno "poder de polícia" no exercício de suas funções, o que implica
na capacidade de fiscalização, controle, ordenamento e, inclusive, de prisão em
flagrante delito.
É importante destacar que, como
qualquer cidadão, o policial penal (mesmo de folga) pode prender quem quer que
seja encontrado em flagrante delito, conforme previsto no Artigo 301 do Código
de Processo Penal. No entanto, sua condição de autoridade policial confere a
ele o dever de agir nessa situação, com as prerrogativas e responsabilidades de
um agente da lei.
2.4. Remuneração e Paridade
A EC nº 104/2019 não estabeleceu
diretamente os valores remuneratórios, mas abriu caminho para a simetria com
outras carreiras policiais. A busca pela paridade e subsídio digno é uma pauta
constante da categoria, que reivindica, com fundamento na igualdade de
responsabilidades e riscos, remuneração compatível com as demais forças de
segurança do Art. 144.
3. Deveres e Responsabilidades
do Policial Penal
Junto aos direitos, a Emenda
Constitucional e a legislação que a regulamenta impõem deveres rigorosos,
alinhados aos princípios que regem a segurança pública: a hierarquia e a
disciplina.
3.1. Subordinação e Hierarquia
O policial penal está sujeito a
um regime disciplinar rígido, baseado na hierarquia e na disciplina. A
subordinação ocorre ao órgão administrador do sistema penal (federal ou
estadual), e, em última instância, ao chefe do Poder Executivo (Presidente ou
Governador).
3.2. Dedicação Exclusiva e
Vedação de Outras Atividades
Muitas leis orgânicas estaduais,
que regulamentam a EC nº 104, preveem o regime de dedicação exclusiva para o
policial penal. Isso significa a vedação do exercício de qualquer outra
atividade remunerada, pública ou privada, com as exceções permitidas pela
Constituição Federal para os demais servidores, como o exercício do magistério
(aulas e difusão cultural).
3.3. Zelo pela Legalidade e
Direitos Humanos
Um dever fundamental do Policial
Penal, em consonância com o Artigo 144 da CF/88, é o exercício de suas funções
sob a égide dos valores da cidadania e dos direitos humanos. A atuação dentro
do sistema prisional exige o equilíbrio entre a manutenção da segurança e a
garantia da dignidade da pessoa humana dos custodiados, prevenindo abusos de
autoridade e garantindo o devido processo legal na execução das penas. A
profissionalização da polícia penal, inclusive, visa garantir uma atuação mais
técnica e humanizada.
3.4. Atribuições Detalhadas
nas Leis Orgânicas
A EC nº 104/2019 é uma norma
constitucional de eficácia limitada em alguns aspectos, necessitando de
regulamentação por meio de leis orgânicas federais e estaduais para definir
detalhes da estrutura, competências específicas, e o modus operandi da
corporação.
Essas leis orgânicas detalham os
deveres e proibições, como:
- A assiduidade e pontualidade.
- A proibição de faltas injustificadas ao serviço.
- A vedação de subtrair, extraviar ou danificar
documentos ou bens públicos.
- A proibição de promover paralisações (greve),
conforme já mencionado.
A Emenda Constitucional nº
104/2019 transformou a realidade do sistema prisional e da segurança pública no
Brasil. A Polícia Penal, agora um órgão constitucional de segurança pública de
natureza civil, possui uma missão clara e definida: a segurança dos
estabelecimentos penais.
O policial penal, ciente de sua
nova natureza jurídica, dos direitos adquiridos (como a aposentadoria especial
e o porte de arma) e dos deveres rigorosos que lhe incumbem (hierarquia,
disciplina e respeito aos direitos humanos), assume um papel de protagonista na
execução da política criminal do Estado. A efetivação plena desses preceitos
dependerá, em grande parte, da regulamentação infraconstitucional nos
diferentes entes federativos e do compromisso de cada profissional com os
valores que regem a Constituição Federal. A dignidade da função policial penal
é, hoje, um mandamento constitucional.
"Manual Jurídico do Policial Penal" por Edson Moura